O voto aos 16 anos consta nos programas eleitorais do PAN, Livre e Bloco de Esquerda. Mais cautelosa, a AD considera “relevante abrir um debate sobre a redução da idade legal para o exercício do direito de voto para os 16 anos de idade”. O Observador passou a pente fino os programas dos principais partidos que vão a votos a 10 de março e até ao dia das legislativas vai dissecar uma proposta por dia.
A novidade do voto aos 16 anos vai ser testada por alguns países nas próximas eleições europeias de junho. Bélgica, Alemanha e Grécia (neste caso a partir dos 17 anos) vão juntar-se aos dois países que já adiantaram a idade para votar — a Áustria, que foi pioneira, e Malta. Esta antecipação é uma das medidas que constam na proposta do regulamento de 2022 do Parlamento Europeu para harmonizar as regras para a realização de eleições europeias, ainda que com salvaguarda das limitações constitucionais dos vários países.
Portugal é um dos estados da UE em que o voto aos 18 anos está inscrito na Constituição.
A possibilidade de antecipar esse direito foi um dos temas que marcou a discussão sobre a revisão constitucional no ano passado e fazia parte das alterações da proposta de revisão apresentada pelo PSD em novembro de 2022. A comissão de revisão constitucional criada para esta revisão analisou a proposta que, para além, dos social-democratas foi também defendida pelo Bloco de Esquerda, Livre e PAN, tendo merecido o apoio da IL. Acabou por cair por objeção do PS, que foi acompanhado nas reservas pelo PCP e pelo Chega.
PSD quer reduzir na Constituição idade legal mínima para votar para os 16 anos
O socialista Pedro Delgado Alves invocou o direito comparado — na maioria dos países aplica-se a idade dos 18 anos e o facto deste patamar ser a regra que persiste para definir o início da maioridade e ter sido fixado como limite para a escolaridade obrigatória, ainda que com exceções como o casamento, mas sujeito a consentimento parental. O presidente da Assembleia da República, e também socialista, Augusto Santos Silva, tinha antes mostrado uma opinião contrária.
Esquerda propõe mais voto aos 16 anos, mas direita poderia ganhar mais com jovens eleitores
Dos programas eleitorais que hoje retomam o tema, a redução da idade legal para votar surge quase sempre acompanhada de propostas mais abrangentes para mexer no sistema eleitoral e que têm objetivo como “aumentar a participação dos cidadãos e aprofundar a sua ligação ao sistema democrático”, lê-se no programa da AD.
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O Livre enquadra a ideia numa reforma do sistema eleitoral que garanta “maior diversidade e pluralidade do sistema político e um sistema eleitoral mais justo, representativo e proporcional em que todos os votos contam”. O PAN, que já tinha colocado o tema na agenda em 2019, também quer consagrar o direito de voto aos 16 anos, inserido num conjunto de alterações ao sistema eleitoral para facilitar o acesso e exercício do voto. O Bloco pretende “atribuir o direito de voto a partir dos 16 anos de idade”.
Europeias. PAN quer idade mínima do voto aos 16 anos para combater a abstenção
Nem o PS nem o PCP defendem a antecipação da idade de voto. E o tema também não consta do programa da Iniciativa Liberal, apesar do apoio inequívoco dado pelo representante do partido na comissão da revisão constitucional que discutiu no ano passado o voto a partir dos 16 anos, Cotrim de Figueiredo. “Acho que está na altura de o voto ser alargado aos maiores de 16 anos e o argumento do direito comparado não serve, porque, de facto, (…) se olharmos para trás e virmos com que grau de precocidade Portugal aboliu a pena de morte e a escravatura, veremos que não tivemos à espera do direito comparado e acho que demos passos civilizacionais significativos.”
O Chega, que por intermédio de Rui Paulo Sousa, não acompanhou as propostas feitas por Bloco, PAN, PSD e Livre no âmbito da revisão constitucional, sinalizou, porém, que “poderemos no futuro refletir mais sobre este ponto”. O programa do partido que vai a eleições é omisso sobre o voto e vai no sentido contrário ao propor o aumento para 18 anos da idade legal para casar.
Independentemente das boas intenções dos partidos que promovem o voto aos 16 anos, há muita incerteza sobre o impacto que a medida teria nos resultados eleitorais. E, em particular, na promoção daquele que parece ser o principal objetivo da medida: combater a abstenção.
Na inexistência ou desconhecimento de estudos ou sondagens que se debrucem sobre o tema, prevalece a impressão de que estes novos eleitores votariam mais à direita do que à esquerda, assinala José Santana Pereira, professor de Ciência Política no ISCTE.
“Os dados mais recentes apontam para que, de facto, os eleitorados da IL e do Chega sejam particularmente jovens, sendo que ao longo do ano de 2023, junto dos muito jovens, com 18 a 20 e poucos anos, a probabilidade de exprimir uma intenção de voto no Chega e no PSD/AD foi mais alta que a probabilidade de exprimir intenção de votar no PS ou no BE (partido que, ao longo dos últimos 20 anos, disputava com o PS e o PSD o apoio dos mais jovens)”. O académico sublinha contudo que essas conclusões partem do que se sabe sobre os jovens com 18 anos ou mais. “Sabemos pouco sobre o que pensam do ponto de vista político os indivíduos com 16 e 17 anos em Portugal”.
António Salvador, presidente da empresa de sondagens Intercampus, desconhece a existência de estudos sobre as tendências políticas nessa faixa etária mas alinha na perceção de que estes novos eleitores iriam privilegiar a direita, sinalizando que os jovens tendem a ser mais contestatários e exigentes, sendo mais facilmente atraídos pelos partidos anti-sistema. O facto de os partidos à direita serem mais ativos e adotarem abordagens de comunicação não convencionais nas redes sociais é outro fator que os aproxima mais de um eleitorado jovem que pouco lê jornais e os media tradicionais.
Começar a votar mais cedo reduz abstenção?
Mais dúvidas ainda existem sobre se a entrada destes novos votantes pode fazer cair as taxas de abstenção. José Santana Pereira lembra que “os mais jovens são também mais propensos à abstenção que os mais velhos” e afirma que não há evidência inequívoca de que começar a votar mais cedo “resulte numa cristalização do hábito de votar nos anos seguintes”.
Mas admite que antecipar a idade de voto possa ter algum impacto, “ainda que modesto”, desde que implementada em conjunto com outras mudanças institucionais, que passem, por exemplo, pelo alargamento do acesso ao voto antecipado e fora da zona de residência, pela introdução do voto preferencial, por repensar o sistema eleitoral de maneira a limitar o “desperdício” de votos (isto é, votos não convertidos em representação devido à baixa magnitude de muitos círculos eleitorais em Portugal)”.
Alguns partidos (PAN e Livre) que fazem a proposta olham também para todo o sistema eleitoral no sentido em que o académico sugere, defendendo a criação de um círculo nacional de compensação que valorize os votos em zonas com reduzida densidade demográfica que não vão para os partidos com possibilidade de eleger deputados, situação que penaliza os pequenos partidos.
Jovens de 16 e 17 anos anos seriam “uma gota no oceano” de eleitores
E que impacto podem ter estes novos votantes na distribuição etária do eleitorado (e por essa via no resultado eleitoral)? José Santana Pereira considera que o efeito seria “uma gota num oceano, tendo em conta o envelhecimento da população portuguesa. Temos poucos jovens com 16 e 17 anos”.
De acordo com a última contagem do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) para 2022, residiam em Portugal pouco mais de 210 mil jovens nesse intervalo etário. Este número contrasta com os quase 900 mil novos eleitores que o Ministério do Interior belga espera ganhar com a antecipação do voto para os 16 anos. A Bélgica tem 11,5 milhões de habitante, enquanto a população residente em Portugal é de 10,4 milhões. O número de eleitores inscritos é ainda maior — 10,8 milhões nas últimas legislativas de 2022 — mas mais de 1,5 milhões destes eleitores residiam fora do país. Nestas eleições votaram 5,5 milhões de eleitores, o que representou uma taxa de participação um pouco acima dos 50% — 51,4%. Em 2019, a percentagem de votantes tinha sido inferior a 50%.
Para o presidente da Intercampus, a entrada destes novos eleitores pode ser interessante num dado momento, mas “não me parece que seja forma de ultrapassar o problema da abstenção“. Questionado sobre o impacto que terá esta antecipação do voto nas eleições europeias, António Salvador defende que estas eleições “até são muito mais importantes do que as nacionais” porque muitas das leis nacionais resultam do que é decidido ao nível da União Europeia. “Mas ninguém tem essa noção” e não se sabe qual é o grau de conhecimento sobre a Europa dos jovens que vão votar.
Já o professor do ISCTE acredita que a escolha das europeias para testar esta mudança da idade tem na sua base “o entendimento destas eleições como eleições de segunda ordem, menos importantes e impactantes que, por exemplo, as eleições legislativas em regimes parlamentares e semipresidenciais fracos. Se as coisas correrem mal, seja lá o que isso queira dizer, os impactos serão menores do que se a alteração fosse testada numa eleição entendida como mais importante.”
E o que pensa em geral a população sobre a antecipação da idade de voto? José Pedro Santana recorda um inquérito feito há dois anos a uma amostra representativa da população com 18 anos ou mais no qual foi colocada a pergunta sobre a idade mínima para votar. “O que observámos é que apenas 16% dos inquiridos disseram preferir uma idade de voto inferior a 18 anos, sendo que a maioria – cerca de 60% – considerava que a idade de voto se deve situar nos 18 anos”. Este inquérito foi promovido no quadro do projeto Mecanismos e Impactos da abstenção eleitoral em Portugal que é coordenado pelo professor de ciência política em colaboração com João Cancela da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nova.
Um resultado “mais interessante ainda” para o professor do ISCTE, foi o de que os “inquiridos mais novos não eram mais propensos a expressar uma preferência por uma idade de voto inferior a 18 anos que os mais velhos”. Em suma, conclui, “parece que nem a população portuguesa em geral, nem os mais jovens em particular, anseiam por uma antecipação da idade de voto”.