A preocupação de Marcelo Rebelo de Sousa relativamente ao Chega foi tema de conversa nas audiências de vários partidos recebidos antes do Chega, com o Presidente da República a recordar que alerta há muito tempo para o fenómeno dos populismos e a sublinhar que em tempos António Costa chegou a desvalorizar as suas palavras. Já André Ventura diz que saiu de Belém com a garantia de que o chefe de Estado não está a tentar evitar a presença do Chega num governo, embora minutos depois Marcelo se tenha sentido na obrigação de emitir uma nota oficial a dizer que “não comenta” declarações dos partidos.
“Como tem repetidamente afirmado, o Presidente da República não comenta declarações de partidos políticos nem notícias de jornais.” Na curta declaração na Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa não esclarece se pretende ou não evitar o Chega num executivo, não desmente André Ventura, mas também não ratifica a tese de que a notícia que dava conta de que queria impedir o Chega no Governo é falsa.
Nas audiências, perante mais do que um partido, o Chega foi o centro das conversas. Marcelo recordava a reação do primeiro-ministro às suas palavras sobre populismo, nas comemorações do 25 de Abril de 2018, quando disse que “é muito difícil interpretar a arte moderna e nem sempre é possível interpretar os discursos modernos”. O alerta de Marcelo — que foi feito numa altura em que o Chega ainda nem tinha sido fundado — servia a tese de que “os vazios que venham a ser deixados pelos protagonistas institucionais alimentarão tentações perigosas de apelos populistas e até de ilusões sebastianistas messiânicas ou providencialistas”.
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Por isso mesmo, já nessa altura era sabido que o Presidente fazia questão de exercer as suas funções presidenciais de forma próxima das pessoas, numa espécie de versão benevolente de populismo, para evitar que o tal “vazio” fosse preenchido por políticos radicais, como ia acontecendo noutros países. Seis anos mais tarde, Marcelo Rebelo de Sousa considera que não foi dado o devido valor às suas palavras e que o PS contribuiu para isso. Aos partidos já ouvidos (à exceção do partido de André Ventura), o Presidente transmitiu a ideia de que os socialistas alimentaram propositadamente o Chega, não só no combate político como através da comunicação social.
Agora, numa altura em que o Chega conseguiu um resultado que lhe permite ser uma peça fundamental na tática política, em particular a aprovar ou chumbar Orçamentos do Estado, e depois de um final de campanha marcado pela manchete do Expresso que dava conta de que Marcelo faria tudo para evitar ter o Chega no governo, o Presidente da República poderia optar por não falar sobre o tema dos populismos nestas audiências. Mas fez questão de o referir perante os partidos que foram a Belém na semana passada.
Nas mesmas reuniões, o Presidente ainda criticou quem defende que o PSD não deveria estabelecer um cordão sanitário em relação ao Chega, personificando essa crítica num protagonista concreto: Pedro Passos Coelho. Segundo fontes presentes nas reuniões, esta não é a primeira vez que Marcelo faz questão de discordar da estratégia dos que defendem uma eventual substituição de Passos por Montenegro. Isto porque o Presidente também sempre fez saber que, na sua perspetiva, os sociais-democratas deveriam aproximar-se do CDS e da Iniciativa Liberal – até mais cedo do que acabou por acontecer – e deixar o Chega de parte.
Para Marcelo, chegou a noticiar o Expresso, Montenegro até deveria ter sido mais rápido a anunciar o seu “não é não” a Ventura, mesmo que esse afastamento limite agora as suas condições para governar. Um entendimento diferente do que Passos terá, uma vez que o antigo primeiro-ministro sempre considerou a ideia de traçar cordões sanitários um erro: por um lado, por antecipar que isto limitaria as hipóteses do PSD de voltar a governar (pelo menos com estabilidade); por outro, por acreditar que isto é uma cedência à agenda da esquerda.
Esta não foi, de resto, a primeira vez que Ventura quis esclarecer qual a posição de Marcelo sobre uma eventual negociação entre PSD e Chega: quando Montenegro afastou, no ano passado, qualquer hipótese dessa negociação acontecer, Ventura disparou acusações contra o chefe de Estado e disse que acreditava que o Presidente teria “obrigado” o líder do PSD a tomar esta atitude. E pediu mesmo uma audiência a Marcelo nesse sentido, exigindo que o Presidente dissesse se era “um obstáculo à constituição de um governo de direita que inclua o Chega”. Saiu então de Belém com a garantia de que não seria.
Desta vez, André Ventura colocou fim a um período praticamente sem críticas a Marcelo Rebelo de Sousa para dizer que a notícia a dois dias das eleições serviria para condicionar os eleitores. Na noite eleitoral acrescentaria que os resultados eram uma “lição de democracia” também para o Presidente da República. Agora, ao contrário da preocupação que o chefe de Estado demonstrou aos outros partidos ouvidos antes do Chega, Ventura garantiu em público, à saída da audiência em Belém, que Marcelo Rebelo de Sousa lhe garantiu “não só que [essa notícia] não transmite a posição dele como não foi ele que a transmitiu”.
E resolveu até recordar as palavras ditas em privado por Marcelo Rebelo de Sousa, “pela importância pública que têm”, e onde o ouviu dizer que “não fazia nenhum sentido” travar a possibilidade de o Chega estar presente num governo porque “quem escolhe é o povo”. “O Presidente da República desmentiu cabalmente que tivesse manifestado qualquer intenção de impedir que o Chega fizesse parte integrante, liderante ou de qualquer outra forma do governo”, assegurou o presidente do Chega, ainda no Palácio de Belém, dando conta de que a notícia não tinha tido como base as palavras do chefe de Estado.
O próprio Ventura chegaria a referir que o Presidente da República lhe reconhecia “excesso de voluntarismo” pela forma como se tem mostrado disponível para construir uma solução de direita. E, no mesmo sentido, o líder do Chega não deixou cair a ideia de que, caso o PS vença, haverá uma tentativa de “convergir à direita para que esse governo seja substituído por um governo de direita e se Luís Montenegro não quiser terá de ser substituído pelas forças vivas ou mortas do PSD”.
Esta é uma das teses colocada fora de hipótese por Marcelo Rebelo de Sousa aos partidos ouvidos até agora e a justificação é o facto de não ter aceitado que Mário Centeno ficasse à frente do governo sem ter ido a votos após a demissão de António Costa. Portanto, ainda que André Ventura insista na hipótese de poder haver um governo à direita sem Luís Montenegro, o Presidente da República não considera a opção válida e não permitiria que alguém que não se apresentou a eleições pudesse ser indigitado primeiro-ministro — uma narrativa que chegou a ganhar força no núcleo de André Ventura, em particular pelo nome de Pedro Passos Coelho (que afastou a hipótese no caso de não ir a votos).
Quando apenas falta ouvir PS e Aliança Democrática, Marcelo Rebelo de Sousa foi mostrando aos partidos uma enorme preocupação com a subida do Chega e o poder com que ficou após as eleições legislativas. Mas a André Ventura — tendo em conta as palavras públicas do presidente do Chega —, o chefe de Estado não mostrou querer afastar o partido de uma solução governativa que venha a existir. Em público, Marcelo também nunca o disse — mas depois das declarações de André Ventura fez questão de garantir, através de uma nota pública publicado minutos depois, que “não comenta declarações de partidos políticos nem notícias de jornais”. Referências ao facto de querer ou não evitar o Chega no governo não existem, apenas silêncio e uma correção a Ventura.