Numa altura em que muito se escreveu sobre a intenção do governo português de contratar médicos na América Latina (nomeadamente em Cuba) para suprir a falta de médicos em centros de saúde de zonas mais carenciadas, uma publicação no Facebook questionava, a 10 de agosto: “Será que os médicos cubanos que aí vêm têm que fazer o mesmo exame que 50 médicas ucranianas estão obrigadas a fazer?”. O post deixa subentendida a insinuação de que estes médicos estarão dispensados do exame de língua portuguesa feito nas faculdades médicas. Mas será mesmo assim?

Atualmente, todos os médicos estrangeiros provenientes de países de fora da União Europeia que queiram exercer em Portugal têm de, em primeiro instância (e antes de o processo transitar para a Ordem dos Médicos) ver o seu grau académico reconhecido por uma faculdade de Medicina portuguesa: para isso, têm de ter avaliação positiva numa prova de conhecimentos que abarca várias áreas médicas, numa prova clínica (que inclui uma avaliação a um doente) e numa outra linguística — para além de terem de apresentar uma dissertação de mestrado ou trabalho equivalente. Para os clínicos de países da União Europeia (a que se juntam os médicos da Turquia, Moldávia, Noruega, Reino Unido, Rússia, Suíça e Ucrânia), o reconhecimento é automático, mediante uma avaliação positiva na prova linguística — estes médicos estão dispensados das restantes provas.

A prova de língua portuguesa é assim, obrigatória para quase todos os médicos, à exceção dos que são provenientes de países de língua oficial portuguesa. Trata-se de um exame escrito com um nível de exigência equivalente à exigida aos alunos portugueses do 6.º ano de escolaridade, e tem uma duração de 90 minutos. Esta prova avalia a compreensão, o conhecimento e a expressão escrita da língua portuguesa, pode ler-se num documento da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. A prova divide-se em três grupos: a leitura orientada de um ou mais textos (que vale 40% da avaliação); formulação de perguntas a partir de um texto ou interpretação de gráficos (25%); e redação de um texto a partir de um tema dado (35%).

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Muitos médicos, cuja língua de origem é muito diferente do português, acabam por enfrentar grandes dificuldades na prova, principalmente se estiverem em Portugal há pouco tempo. Foi o que aconteceu a cerca de 50 médicas ucranianas, com experiência em várias especialidades, e que chumbaram na prova de português. Deste modo, terão de esperar um ano até se poderem submeter de novo ao exame.

Mas será que, ao contrário destas especialistas ucranianas, os cerca de 300 médicos cubanos que o governo tenciona contratar, nos próximos três anos, para os centros de saúde, estarão dispensados da prova linguística? A resposta é não, uma vez que a língua nativa destes médicos é o castelhano, o que torna necessária a realização da prova.

Uma questão diferente é a possibilidade de, por vontade do governo, os médicos contratados diretamente para trabalhar no SNS (como os médicos cubanos ou os brasileiros) poderem obter o reconhecimento do grau académico de forma automática, equiparando-os aos médicos de países da União Europeia (e de outros sete países) que, hoje, já só precisam de realizar a prova de português nas faculdades.

Recorde-se que, no início de julho, o governo aprovou, em Conselho de Ministros, um diploma que prevê um regime excecional de reconhecimento do grau académico conferido por instituições de ensino superior estrangeiras a médicos que venham trabalhar para o SNS. No entanto, ainda não se conhecem os pormenores da alteração. Chamado a pronunciar-se, o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), órgão que representa as oito faculdades de Medicina que existem em Portugal, enviou um parecer ao governo, onde se defende que devem ser as faculdades portuguesas a conceder os “reconhecimentos” de grau académico. “Não deve ser feito um reconhecimento automático”, disse, ao Observador, a presidente do CEMP, Helena Canhão.

Contactada de novo, a propósito deste artigo, Helena Canhão adianta que o governo ainda não respondeu às preocupações do órgão que lidera, sendo que ainda não se sabe “como será implementando” o reconhecimento dos médicos estrangeiros até 2026. A presidente do CEMP sublinha que “sairá, posteriormente, um despacho que regulamentará os procedimentos”.

Questionado pelo Observador sobre a forma como decorrerá o processo de reconhecimento do grau académico dos médicos estrangeiros contratados para o SNS, entre os quais os médicos cubanos, o Ministério da Saúde não respondeu.

Conclusão

Os médicos cubanos que forem contratados pelo Ministério da Saúde para trabalharem em centros de saúde — de zonas onde grassa a falta a médicos — serão submetidos a uma prova de língua portuguesa, tal como acontece com todos os médicos que queiram exercer em Portugal e não sejam provenientes de nenhum país que tenha como língua oficial o português. Assim, estes médicos não ficam dispensados da realização da prova de português, ao contrário do que se insinua na publicação analisada neste fact check.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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