“Covid Portugal. Mortes oficiais de Jan 2020 a Abril 2021 = 152.” É apenas uma das dezenas de publicações que estão a circular pelas redes sociais e que prometem uma luta pela verdade sobre os verdadeiros números da mortalidade provocada pelo novo coronavírus. A base para esta batalha? Um acórdão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa onde se refere que, “entre 2020 e 2021, foram emitidos 152 certificados de óbito pelos médicos que trabalham para a tutela do Ministério da Justiça (INMLCF) cuja causa de morte foi a Covid-19”.

O acórdão tem data de 19 de maio e, desde que o documento foi tornado público, esta passagem sobre as vítimas mortais da Covid-19 foi sistematicamente destacada e apresentada como prova de que, na verdade, os números oficiais de mortos estão muito abaixo dos valores que têm sido regularmente difundidos pelas autoridades de saúde.

“É aterrador o silêncio dos media sobre a resposta oficial do ministério da saúde sobre a existência de 152 casos confirmados de covid desde Janeiro 2020”, lê-se numa publicação. “Onde foram parar os +de 19,000 mortos ???? Para os que nos chamam de negacionistas e complotistas, aqui vai a resposta há sua estupidez….” [sic], escreve outro utilizador do Facebook. As mensagens são relacionadas com o acórdão e, na maior parte dos casos, são também partilhadas imagens do documento ou a ligação para a versão completa.

A questão é que a explicação para o número apresentado no acórdão está no mesmo ponto em que se faz referência aos 152 certificados de óbito por Covid-19 neste ano e meio de pandemia. Aqueles certificados foram emitidos, de acordo com o acórdão, pelos “médicos que trabalham para a tutela do Ministério da Justiça” — concretamente, médicos em funções no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciência Forense (é a isso que diz respeito a sigla INMLCF).

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Mas essa, explica a Direção-geral da Saúde ao Observador, é “a menor parte” dos médicos que têm estado a certificar óbitos por Covid-19 desde o início da pandemia (e isso explica o reduzido número de mortes que foram chamados a confirmar). “A grande maioria dos certificados de óbito que são emitidos e posteriormente codificados pela DGS são emitidos por médicos com vínculo ao Ministério da Saúde”, esclarece esta entidade.

A DGS confirma aqueles 152 óbitos referidos no acórdão, mas esclarece que esse está longe de ser o universo total de vítimas por Covid-19 desde o início da pandemia. “A 18/04/2021 tinham sido codificados pela equipa de codificação da DGS, efetivamente, 152 certificados de óbito relativos a Covid-19 pelos médicos que trabalham para a Tutela Ministério da Justiça” e, a esse respeito, “não foi observada qualquer discrepância” com os dados oficiais disponíveis. “Nesse mesmo dia, a 18/04/2021 de abril”, acrescenta-se na mesma resposta, “tinham sido apurados um total de 16.945 óbitos por Covid-19” em Portugal.

Mas qual o contexto daqueles 152 certificados por profissionais de saúde sob tutela do Ministério da Justiça? Por norma, estes médicos são chamados a intervir — e a colaborar no processo de certidão — quando existem suspeitas da ocorrência de um crime na origem da morte. É isso que explica a DGS quando refere que “as autópsias médico-legais realizadas pelos médicos que trabalham sob a tutela do Ministério da Justiça têm lugar em situações de morte violenta ou de causa ignorada, salvo se existirem informações clínicas suficientes que associadas aos demais elementos permitam concluir, com segurança, pela inexistência de suspeita de crime”. Na prática, as autópsias médico-legais servem de “apoio à investigação criminal, não sendo, por regra, realizadas nas situações de morte natural por Covid-19”.

Todos os outros profissionais de saúde trabalham sob a tutela do Ministério da Saúde (ou não têm qualquer vínculo com o ministério) e foram responsáveis por certificar os 17.077 mortos por Covid-19 (dados referentes a 23 de junho).

Os dados que estão na origem destas publicações constam do processo 525/21.4BELSB do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Um processo que surge na sequência de um pedido de divulgação de cerca de uma dezena e meia de informações oficiais sobre a pandemia — relatórios, pareceres e publicações de caráter científico — dirigido às instituições de saúde (Ministério e Direção-geral) e que não teve o resultado que se pretendia.

É na resposta à solicitação do tribunal para que os dados fossem disponibilizados que a DGS refere que, “após análise da base réplica do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito”, entre o primeiro dia de 2020 e o dia 18 de abril de 2021 tinham sido encontrados os tais 152 certificados de óbito.

Conclusão

Sim, os registos da DGS indicavam que, até maio deste ano, havia 152 certificados de óbito por Covid emitidos por médicos do INMLCF. Mas, ao contrário do que se alega em várias publicações, esses números não provam que os números oficiais conhecidos até ao momento — com mais de 17 mil mortes por Covid-19 em Portugal, desde o início da pandemia — sejam uma farsa.

Os 152 óbitos mencionadas no acórdão do tribunal são a menor parte do total de certidões emitidas no último ano e meio no contexto da pandemia e, em concreto, relacionadas com mortes relacionadas com o novo coronavírus.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

Artigo atualizado às 12h25 do dia 25 de junho, com dados complementares enviados pela Direção-Geral da Saúde ao Observador que permitiram a contextualizam do papel desempenhado pelos profissionais com vínculo ao Ministério da Saúde, em oposição aos médicos com vínculo ao Ministério da Saúde ou, até, sem vínculo a qualquer destas tutelas.

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