A divulgação de um estudo norte-americano sobre a utilização de ventiladores durante a pandemia da Covid-19 levou a inúmeras partilhas de publicações nas redes sociais com a sugestão de que “quase todos os pacientes” com a doença foram “mortos como resultado direto de serem colocados com um ventilador”.
Em causa está um estudo da Northwestern University, dos EUA, que analisou casos de doentes críticos com diagnósticos de Covid-19 ou pneumonia e que foram ventilados. E as informações partilhadas nas redes sociais focam-se no facto de os doentes submetidos à ventilação mecânica poderem estar mais suscetíveis a pneumonias bacterianas — tendo sido esta a maior causa de mortalidade registada nos pacientes com Covid-19 e que contraíram este tipo de pneumonia.
Este é um facto apontado pelos especialistas que analisaram 585 pacientes com pneumonia ou insuficiência respiratória, 190 dos quais tinham sido diagnosticados com Covid-19, mas há uma ressalva: os doentes não sobreviveriam sem o suporte do ventilador e isso é deixado claro no estudo. Por outras palavras: a ventilação mecânica pode agravar complicações em doentes vulneráveis, mas estes certamente não sobreviveriam sem esse apoio.
Questionado pelo Observador sobre estas afirmações, João Gouveia, que foi presidente da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva para a Covid-19, aponta com “certeza absoluta” o argumnto de que os doentes que foram ventilados não sobreviveriam sem esse apoio. “Se morreram porque foram ventilados? Não. Morreram porque a doença era grave e tiveram complicações antes disso”, aponta.
E vai mais longe: “É natural que os doentes que são ventilados morram mais do que os doentes que não são ventilados, porque são os casos mais graves.”
O médico explica que há várias formas de contrariar a insuficiência respiratória, frisando que, “a partir de uma gravidade maior, não há nenhuma outra hipótese senão entubar e ventilar o doente invasivamente e dar-lhe níveis muito altos de oxigénio com uma pressão maior”.
“As opções têm efeitos secundários”, reconhece, acrescentando que, “se estamos a dar muito oxigénio” a um doente, através de ventilação mecânica, “podemos estar a lesar o pulmão e quanto mais pressão pusermos mais estamos a aumentar a lesão do pulmão e podemos causar uma doença secundária”.
Desta forma, realça que os doentes ventilados devido à Covid-19 eram casos “muito graves” e, tendo sido necessário “ir aos limites”, era maior a probabilidade de ser provocada uma doença associada. E prosseguiu a justificação para explicar que, “ao usar um tubo, está-se a ultrapassar parte das barreiras de defesa contra os diferentes microorganismos e pode haver um aumento de infeções associadas à entubação e à ventilação”, o que pode provocar “o aumento da mortalidade”. “Até porque a Covid em si afeta o sistema imunitário e a capacidade de defesa é menor do que a de uma pessoa [em condições normais]”, sublinhou.
Ou seja, ainda que o estudo tenha provado que, entre os pacientes infetados, a maior mortalidade está associada aos doentes que tiveram um diagnóstico de pneumonia bacteriana causada pelo uso de ventiladores, isso não significa que a responsabilidade da morte se explique pelo recurso a essa técnica e a esses equipamentos.
Também Benjamin Singer, investigador sénior do estudo citado na publicação em análise, explica no site da universidade que a permanência de um doente numa unidade de cuidados intensivos tem consequências e o facto de várias pessoas desenvolverem pneumonias bacterianas pelo uso de ventiladores é uma delas. Porém, o uso de ventiladores não pode ser associado à morte da pessoa, já que o doente que precisava daquele aparelho não sobreviveria sem ele.
Ou seja, tendo em conta a opinião dos especialistas, as partilhas nas redes sociais estão a descontextualizar o estudo e a culpabilizar os aparelhos pelas mortes de doentes com Covid-19 sem que haja qualquer sustentação e enquadramento científico para essa alegação.
Conclusão
É falso que o estudo em causa demonstre que pacientes com Covid-19 “foram mortos como resultado direto de serem colocados com um ventilador”. Os especialistas do estudo concluíram que a maioria das mortes entre pacientes com Covid-19 que foram ventilados ocorreram em quem contraiu pneumonias bacterianas, mas não foram os ventiladores os culpados pela morte, tendo em conta que os pacientes em causa só teriam hipóteses de sobrevivência com este aparelho.
Ou seja, ainda que as pneumonias causadas pela ventilação possam ter contribuído para agravar o estado de saúde dos doentes, a principal causa de morte foi sempre a Covid-19, que levou os pacientes ao estado de saúde em que precisaram de um ventilador.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.