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A gota de água foi em 1994. Luiz Fux, atual juiz do Supremo Tribunal Federal brasileiro, tinha a responsabilidade de monitorizar a votação na 25.ª zona eleitoral, a segunda maior do Rio de Janeiro, durante a eleição para as presidenciais que opuseram Fernando Henrique Cardoso a Lula da Silva. Ali, encontrou o que suspeitou ser uma irregularidade em massa na contagem de votos e agiu de imediato: destituiu 60 pessoas das mesas de votos e ordenou a detenção de três. |
“Mandei os conferentes [verificadores dos votos] embora porque não sabia quem adulterou os boletins e precisava vigiar todos de perto. Os fraudadores se prepararam muito e, para cada dois passos que damos, a fraude nos faz recuar quatro. Eu só termino o meu trabalho quando estiver certo de que a vontade expressa nas urnas foi respeitada. A pressa não vai chancelar a fraude”, garantiu à altura sobre a sua decisão. |
A reação chegou fulminante: “Você vai tombar” foi a ameaça feita por um dos membros do Comando Vermelho, uma das maiores organizações criminosas do Rio, que chegou por telefone. O presidente do Tribunal Regional Eleitoral da cidade, Youssif Salim Saker, e o procurador regional eleitoral, Alcir Molina, ouviram as mesmas palavras. O juiz passou a ter escolta policial, a andar com uma pistola e a usar um colete à prova de bala até ao dia da recontagem — e essa foi feita perante a presença de 100 soldados. |
Foi, como dizíamos, a gota de água. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu avançar com a ideia de acabar com o voto em boletim impresso e arranjar um sistema eletrónico — previsto no Código Eleitoral desde 1932 (“máquinas de votar”, chamavam-lhes). Pensava-se, como explicou o antigo juiz do TSE Henrique Neves da Silva, que ajudaria a limitar a fraude eleitoral: “Sempre tinha um problema na apuração: a pessoa tinha uma caligrafia ruim, escrevia no lugar errado da cédula ou marcava o ‘x’ fora do quadrado e o voto era nulo”. Já para não falar das fraudes em massa como a de 1994, que acabou com ameaças de morte de um gang. |
O “Coletor Eletrónico” dos “Cinco Ninjas” |
Foi então que os “cinco ninjas” entraram em ação. Assim apelidados porque três eram de ascendência japonesa, os cinco funcionários do TSE criaram a urna eletrónica que ainda hoje é utilizada. Chamaram-lhe Coletor Eletrónico de Votos e conceberam-no como uma máquina leve e compacta, com um teclado semelhante a um telefone e com números também em braille, que poderia ser utilizado por analfabetos e cegos. Os eleitores decoravam o número do seu candidato e simplesmente premiam as teclas. A apuração dos resultados era rápida. |
O sistema foi experimentado pela primeira vez nas eleições municipais de 1996, em 30% das assembleias de voto, e o resultado foi tão positivo que, dois anos depois, foi ampliado para 67% das urnas nas presidenciais de 1998. Em 2000, já todos os brasileiros votaram sem papel e caneta. |
Durante anos, o sistema de voto eletrónico no Brasil foi elogiado por vários países do mundo pela sua rapidez, acessibilidade e fiabilidade. Mas com Jair Bolsonaro no poder, a credibilidade do sistema tem sido colocada em causa, até pelo próprio Presidente (embora, no passado, tenha chegado a defender a informatização do sistema): “Nenhum sistema informatizado pode garantir 100% a segurança”, disse Bolsonaro, repetindo várias vezes a ideia de que não é possível confiar nos resultados quando eles são apurados de forma eletrónica. |
As denúncias e o apelo para o regresso ao voto impresso tornaram-se tema recorrente para a campanha de Bolsonaro. No WhatsApp, meio de circulação de informação por excelência nas últimas campanhas eleitorais, este foi o tema mais abordado, de acordo com o levantamento de dados feitos pela empresa tecnológica Palver. Os conteúdos eram, na sua maioria, informação falsa como a que dizia que as “Urnas eletrónicas [estão] sendo modificadas dentro do Sindicato do PT em Itapeva, São Paulo. A fraude sendo revelada antes da eleição.” |
O TSE e os observadores internacionais das últimas eleições — incluindo desta primeira volta das presidenciais — garantem que o sistema é fiável. Primeiro, em casa assembleia de voto é feita a “zerésima”, um documento que comprova que não houve nenhum voto registado antes do início das urnas, perante os delegados das mesas e os responsáveis dos partidos. Depois, relativamente à contagem, a única forma de haver adulteração dos resultados seria — como têm sublinhado os apoiantes de Bolsonaro — um ataque informático. Só que, tendo em conta que as urnas não estão ligadas à internet, tal é mais difícil. A única possibilidade seria atacar a rede de comunicações dos tribunais da Justiça Eleitoral, por onde são enviados os resultados posteriormente. Aqui, o TSE garante que a segurança está apertada e que nunca houve uma tentativa de hacking ao sistema bem sucedida. |
Em papel ou de forma eletrónica, o que há é, como sempre, a ação humana. Foi isso que aconteceu nesta primeira volta, não no Brasil mas em Lisboa. Uma das 58 urnas instaladas na capital portuguesa foi impugnada por tentativa de fraude, anunciou o TSE nos últimos dias. Em causa não estiveram problemas eletrónicos ou hacking: um homem, depois de votar, dirigiu-se à de outra secção, correu e votou uma segunda vez antes do eleitor que ali iria depositar o seu voto. Irá agora responder num processo por crime eleitoral. |
O QUE MARCOU A SEMANA |
- O resultado da primeira volta das presidenciais determinou que os brasileiros irão ter de voltar às urnas a 30 de outubro para eleger o novo Presidente. Será Lula da Silva ou Jair Bolsonaro, os dois candidatos mais bem colocados na primeira volta, com 48,4% e 43,2% dos votos, respetivamente.
- Um vídeo de Jair Bolsonaro feito em 2017 a dar uma palestra numa loja maçónica reapareceu agora. A gravação disseminou-se nas redes sociais naquilo que os jornais brasileiros chamam de retaliação vinda dos apoiantes da ala esquerda. É que, ainda no último passado sábado, tinham sido divulgados vídeos do principal adversário de Bolsonaro, Lula da Silva, associando-o à cultura satânica.
- Vários políticos de peso deram o seu apoio aos respetivos candidatos. Jair Bolsonaro conta agora com o apoio declarado de Sérgio Moro, o antigo juiz responsável pela Lava-Jato que se tornou ministro da Justiça de Bolsonaro (mas saiu do governo em desacordo). Já a candidata Simone Tebet disse que iria apoiar Lula — e o candidato do PT conseguiu apoio de outros nomes de peso como o antigo Presidente Fernando Henrique Cardoso.
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AGENDA DA SEMANA |
- Sábado, 8 de outubro:
Lula da Silva estará em Guarulhos, estado de São Paulo, para uma caminhada.
O candidato de Lula a vice-Presidente, Geraldo Alckmin, irá reunir-se com a candidata Simone Tebet para discutir os moldes do seu apoio.
Jair Bolsonaro participará num serviço religioso em Belém.
- Terça-feira, 11 de outubro:
Bolsonaro estará em Pelotas (Rio Grande do Sul), para participar numa ação de campanha com um dos seus apoiantes mais destacados, Onyx Lorenzoni, candidato a governador na região.
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O QUE SE ESCREVE LÁ FORA
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OS NOSSOS ESPECIAIS
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Eleições no Brasil
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Após uma luta pelo voto evangélico que tentaram disfarçar, Lula e Bolsonaro estão agora em guerra aberta pelo apoio de uma ala heterogénea que é disciplinada, mas sente a qualidade de vida a piorar.
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Eleições no Brasil
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Nordeste continua a ser PT, Lula ganha quatro estados a Bolsonaro e um a Ciro e o partido de Bolsonaro consegue os melhores resultados no Congresso Nacional do Brasil.
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Eleições no Brasil
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Leonardo e Karina vivem no Complexo da Maré, conjunto de comunidades pobres. Paulo e Mónica na Barra da Tijuca, próximo da casa de Bolsonaro. O Observador acompanhou o domingo destas duas famílias.
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Eleições no Brasil
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Candidato do PT mostrou-se confiante em nova vitória a 30 de outubro. Mas primeiro tem de namorar eleitorado de Tebet e definir política económica — bem como manter a humildade.
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Eleições no Brasil
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Com 43% dos votos, Bolsonaro passa à 2.ª volta, apesar do que diziam sondagens "desmoralizadoras". Estratégia é agora mostrar que políticas de esquerda não resultam e que economia "está a recuperar".
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Eleições no Brasil
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Jair Bolsonaro ou Lula da Silva? O novo Votómetro do Observador permite, em minutos, descobrir com que candidato a Presidente do Brasil se identifica mais.
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OS NOSSOS FACT CHECKS
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RÁDIO OBSERVADOR
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Brasil
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Lula venceu a primeira volta, mas o resultado de Bolsonaro foi balde de água fria para o PT. Próximas semanas vão ser de campanha extrema. As instituições conseguirão sobreviver?
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Sociedade
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A análise da investigadora em ciência política Beatriz Rey. A também professora na Universidade Johns Hopkins, nos EUA, prevê que, caso ganhe, Lula vai ter de negociar com a direita.
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Rádio Observador
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Carmen Fonseca, investigadora do IPRI, "grande deceção está do lado de Lula" face aos resultados das sondagens. Bolsonaro conseguiu estar acima e, por isso, estará com "mais vontade de continuar".
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Rádio Observador
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José Filipe Pinto, especialista em movimentos extremistas, espera uma 2.ª volta com uma estratégia de "vitimização" de Bolsonaro a associar a "imagem de corrupção a Lula" numa "luta contra a mentira".
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Brasil
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Bolsonaro ganhou balão de oxigénio para ir ainda mais ao extremo na segunda volta. Resultados mostram que ainda há rejeição do PT e daquilo que ele significa. É preciso refazer todas as sondagens.
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Eleições no Brasil
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Lula venceu a primeira volta das eleições brasileiras, mas a diferença para Bolsonaro não foi tão grande quanto as sondagens previam. As sondagens falham ou falha a forma como olhamos para elas?
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