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O título é uma provocação. Um isco. Seria até um mau exemplo de clickbait, esse péssimo hábito de atrair a atenção dos leitores com um chamariz que induz em erro depois de se abrir a notícia, se não fosse… propositado. |
É que o período que se segue ao jantar – ou, pelo menos, o período que implica um considerável intervalo de tempo depois de se chegar a casa – é apontado por alguns especialistas como recomendável para planear o dia de trabalho seguinte. O ideal, claro, é deixar o trabalho no escritório, guardando o serão para ler, para ver um filme, para conversar, para descansar. Mas se tiver mesmo de ser e se as preocupações ou as responsabilidades – ou a ansiedade – falarem mais alto, é boa ideia não deixar que isso controle todo o tempo que passa em casa. |
Ou, pelo menos, é boa ideia não o fazer assim que coloca a chave na porta. Guardar umas horas para descompressão, focar a atenção noutras tarefas ou conversar com a família são, habitualmente, boas estratégias. E depois, sim. Depois chega aquele momento em que já não é possível adiar. E lá voltam a povoar a cabeça as imagens, os sons, a antevisão do que o dia poderá trazer, os relatórios a apresentar, os prazos a cumprir, os colegas com que terá de lidar… ou o tal chefe psicopata. |
Também há quem lhes chame tóxicos, perigosos, venenosos ou apenas incompetentes. Ou sonsos. Um sem-fim de expressões para descrever líderes que não conseguem tirar o melhor das suas equipas ou que não as sabem motivar e manter confiantes. Que são inseguros e indecisos. Que se aproveitam do trabalho dos subalternos. Que lideram pela ordem e não pelo exemplo. Que disfarçam – perante quem está acima deles – uma série de características interpessoais menos abonatórias graças a uma suposta produtividade conseguida à custa de subordinados que não se sentem reconhecidos no seu trabalho. |
E voltamos ao título desta newsletter. Não será errado ou exagerado chamar a alguns destes líderes psicopatas. É que esse nome menos abonatório que o cinema e a televisão nos habituaram a associar a assassinos sem escrúpulos e sem respeito por normas de conduta é, afinal, o mais grave nível de uma doença mental, a Perturbação da Personalidade Antissocial. |
Para preparar este explicador sobre essa patologia, a jornalista Sofia Teixeira conversou com a psiquiatra Paula Valente, que a ajudou a entender melhor o perigo que estas pessoas podem representar. Num nível extremo, podem mesmo levar a crimes contra a vida. Noutro nível, podem fazê-los chegar a cargos de topo. É capaz de ser o caso desse seu chefe, não acha? Ora leia: |
- “… incapacidade de sentir empatia, culpa ou lealdade perante outros, sendo uma grave doença emocional que se disfarça atrás de uma fachada de boa saúde mental”
- “… falta-lhe consciência e empatia, o que o torna manipulador, volátil…”
- “… muitos são excelentes comunicadores e são capazes de detetar facilmente as vulnerabilidades dos outros, que utilizam para proveito próprio”
- ”são sedutores audazes e têm uma marcada ausência de ansiedade e menor impulsividade. Isso leva-os a conseguirem esconder as suas características antissociais e, por isso, frequentemente chegam a posições de liderança à custa da manipulação e aproveitamento dos outros”
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Agora que já reconheceu algumas características da pessoa com quem tem de lidar todos os dias e depois de reencaminhar esta newsletter para os seus colegas, perguntando-lhes se “reconhecem alguém?”, talvez seja altura de pensar no que isto lhe faz a si. Nos efeitos que uma perturbação mental de outra pessoa pode ter na sua própria saúde mental. |
As consequências nefastas de lidar com um líder tóxico estão estudadas e podem acarretar problemas como depressão, ansiedade, burnout, somatização ou evitamento. Afinal, quem é que quer continuar a ir para o trabalho para lidar com um chefe que revela “desrespeito pelos direitos ou sentimentos dos outros”? |
A internet está repleta de avisos sobre o tema e alguns deles estão em fontes fidedignas, como este, este ou este, todos da prestigiada revista Psychology Today. Ou este, da Forbes. Ou este podcast da Harvard Business Review. |
Em caso de dúvida, é falar com alguém. Fale com os colegas, com pessoas de outros departamentos, com alguém dos Recursos Humanos. Com um psicólogo. Com um psiquiatra. Suportar longos períodos de tempo a trabalhar com líderes pouco recomendáveis não faz bem à saúde. |
Entretanto, na secção MENTAL, do Observador continuamos a publicar uma série de reportagens, entrevistas, explicadores, crónicas e notícias sobre Saúde Mental. Aqui ficam algumas. |
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