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O que é a esquizofrenia?

É uma doença crónica, uma das mais graves e complexas perturbações mentais. Pode ser muito incapacitante e caracteriza-se por alterações na forma de funcionamento do cérebro que têm impacto no pensamento, percepção, emoções, comportamento e relações sociais dos doentes.

De um modo geral, uma das características da esquizofrenia são os episódios psicóticos, (perceção distorcida da realidade) que resultam numa perda de contacto com o quotidiano, ou seja, períodos em que a pessoa tem alucinações, delírios ou falsas crenças — como ver, ouvir ou pensar coisas que não são reais. Mas a doença também tem outro tipo de sintomas.

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Quais são, então, os sintomas da esquizofrenia?

Os sintomas mais frequentes da esquizofrenia, segundo o psiquiatra Ricardo Coentre, do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, podem ser classificados em três tipos:

  • sintomas positivos
  • sintomas negativos
  • sintomas cognitivos.

Os sintomas positivos são alterações do pensamento. Com delírios (como a ideia de que se está a ser perseguido), alterações da perceção com alucinações (como ouvir vozes que não existem) ou alterações do comportamento e discurso. Estes sintomas são mais frequentes quando a pessoa está a ter um episódio psicótico agudo.

Os sintomas negativos “incluem dificuldades de socialização, incapacidade de sentir prazer e diminuição da iniciativa ou energia”.

Os sintomas cognitivos são aqueles que implicam dificuldades como a capacidade de atenção e a capacidade de planeamento e execução de tarefas.

“Cada doente tem um conjunto de sintomas particular e apresenta um quadro clínico diferente também” diz o psiquiatra. “Apesar do impacto da esquizofrenia ser diferente entre doentes, esta doença geralmente tem repercussões em diversos domínios do dia-a-dia, incluindo dificuldades nas relações sociais, manter emprego e viver de forma independente”, diz o médico, que integra a Secção do Primeiro Episódio Psicótico da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.

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Ter um episódio psicótico significa que se tem esquizofrenia?

Não necessariamente. Várias outras doenças ou condições podem causar sintomas psicóticos. Ricardo Coentre divide-as em dois grupos: por um lado, outras perturbações psiquiátricas, por outro, algumas doenças físicas.

Entre as perturbações mentais que podem causar sintomas psicóticos incluem-se, por exemplo, a perturbação delirante, a perturbação esquizoafetiva, as demências ou mesmo alguns quadros de depressão ou perturbação bipolar.

Já nas doenças físicas que podem apresentar sintomas psicóticos estão situações tão diferentes como algumas doenças neurológicas (tumores cerebrais, epilepsia, acidentes vasculares cerebrais), doenças infeciosas (infeções do sistema nervoso central), doenças auto-imunes (lúpus eritematoso sistémico) e défices vitamínicos (ex. défice de vitamina B12).

Apesar de ser relativamente raro que doenças físicas causem esses sintomas, é por isso que “a avaliação de doentes psicóticos, sobretudo em primeiros episódios, inclui uma avaliação médica completa que passa por análises clínicas e exames de radiológicos cranianos (TAC ou Ressonância Magnética)”.

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E quais são as causas da esquizofrenia?

As doenças mentais não tem uma única causa e desenvolvem-se através da interação entre a componente genética e o contributo do ambiente. No entanto, ao contrário do que acontece com outras doenças, sabe-se que na esquizofrenia o peso da genética é muito grande.

“A doença é altamente herdada: os estudos apontam para uma contribuição de 80% das causas genéticas no aparecimento da esquizofrenia”, esclarece Ricardo Coentre. O psiquiatra refere que, na sua prática clínica, é frequente que haja vários membros da mesma família afetados pela doença. Pai e filho, por exemplo, ou vários irmãos.

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E há outros fatores de risco?

Sim. Pode dizer-se que, de uma forma geral, as condições do ambiente adversas aumentam o risco de desenvolver a doença, sobretudo em quem já tenha essa predisposição genética.

Entre esses factores de risco bem identificados, conta o médico, “incluem-se as migrações, complicações durante a gravidez e parto ou viver em meio urbano, designadamente em zonas carenciadas das grandes cidades”. Também com um risco aumentado estão as dificuldades nas etapas iniciais do desenvolvimento,  como o abuso físico ou sexual na infância.

Além destes, um dos maiores fatores de risco identificados é prevenível: o consumo de drogas como a canábis. “Está absolutamente demonstrado que o consumo de canábis em dose/potência elevada e/ou o seu uso em fases iniciais da adolescência é um fator de risco para a esquizofrenia”, alerta o psiquiatra. A título de exemplo, refere que no grupo de doentes jovens com psicose que segue no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, cerca de dois terços têm história de consumo de canábis….

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A esquizofrenia tem tratamento?

A esquizofrenia é uma doença crónica, o que significa que não tem uma cura definitiva. Mas tem tratamento, que é sempre individualizado, dependendo dos sintomas e necessidades de cada doente.

O tratamento habitualmente inclui medicação (sobretudo com antipsicóticos), psicoterapia, intervenção familiar e social, além de terapias que possam ajudar a remediar ou diminuir os défices cognitivos instalados.

“Um dos objetivos do tratamento é uma completa remissão de todos os sintomas e completa integração social, do autocuidado e ocupacional”, explica Ricardo Coentre. O outro é a prevenção da recaída. Como uma das principais causas destas recaídas ou descompensações é o doente não tomar a medicação, “existem formulações de medicamentos antipsicóticos injetáveis de longa duração, que são administradas de tempos a tempos — uma vez por mês ou de três em três meses, por exemplo”.

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E estes tratamentos são eficazes?

As taxas de resposta ao tratamento são bastante elevadas e podem ir até aos 70% após episódio psicótico agudo (e por vezes até aos 90%).

Para os doentes que não respondem às formas de tratamento mais convencionais, há ainda outras hipóteses, seja outro tipo de medicação, seja a terapêutica electroconvulsiva.

Nas últimas décadas têm surgido programas de intervenção precoce na psicose (nas primeiras fases da esquizofrenia) que procuram melhorar o prognóstico habitualmente limitado associado à doença.

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A doença afeta mais os homens ou as mulheres?

A esquizofrenia afeta um por cento da população mundial, mas é um pouco mais frequente (e mais grave) nos homens.

A idade em que surgem o primeiros sintomas também pode diferir: “os doentes são tipicamente reconhecidos como tendo esquizofrenia entre o final da adolescência e a idade adulta jovem, entre os 16 e os 25 anos, mas alguns estudos apontam para um aparecimento ligeiramente mais tardio em três a cinco anos no caso das mulheres”, diz Ricardo Coentre.

Outra diferença entre os dois sexos, diz o especialista, “é a existência de um segundo pico de aparecimento de doença, menor do que o primeiro, cerca dos 45 anos de idade no sexo feminino”.

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Uma pessoa com esquizofrenia pode ter uma vida funcional?

Sim. A gravidade da doença, o tipo e a frequência dos sintomas, a adesão à medicação e a resposta ao tratamento podem variar de pessoa para pessoa, mas uma parte significativa dos doentes consegue manter-se sem sintomas.

De uma forma geral, explica o psiquiatra Ricardo Coentre, os doentes podem ser divididos em três grupos quanto à evolução e consequências previsíveis da doença:

  • 30 a 40% dos doentes consegue ter uma vida idêntica à das pessoas sem doença psicótica;
  • cerca de 30% têm mau prognóstico, com dificuldade numa vida independente, trabalho estável e desenvolvimento de relações;
  • os restantes doentes representam um grupo intermédio,  com uma mistura de características desses dois grupos.
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Como é que a família pode ajudar uma pessoa com esquizofrenia?

Todas as pessoas que fazem parte da vida do doente, sobretudo a família, tem um papel importante. Por conhecerem bem o doente e por passarem muito tempo com ele devem ser incluídos no plano de tratamento, pois são geralmente quem identifica os primeiros sinais de alerta e faz a ponte com a ajuda necessária.

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E se o doente não se quiser tratar?

Sendo a esquizofrenia uma doença que provoca alterações muito grandes no pensamento e na percepção, alguns doentes podem não reconhecer que o que pensam ou sentem, bem com a maneira como se comportam, se deve à doença, e, portanto, recusar tratamento.

“Numa minoria de situações, existe a necessidade de internamentos e tratamentos involuntários”, explica o psiquiatra. A nova Lei de Saúde Mental estabelece critérios muito claros para os casos em que, devido à doença mental e à recusa de tratamento, a pessoa possa representar um perigo si ou para os outros, podendo ser decretado por um tribunal o tratamento e/ou internamento involuntário.