Foi a última pergunta mas poderia ter sido a primeira. Foi a derradeira questão depois de falarmos de sintomas e tratamentos, mas poderia ter sido a inicial — para, a partir daí, abordarmos sinais de alerta e fugas daquele labirinto. Foi o caminho de saída de uma conversa para deixar os ouvintes a pensar, mas poderia ter sido a porta de entrada para lhes captar a atenção. |
Um adulto deprimido poderá ter sido uma criança cuja depressão foi negligenciada? |
A resposta, claro, era a que se esperava mas não deve deixar nenhum pai indiferente: “A maior parte das depressões em idade adulta nasceu na infância ou adolescência”. E, se tivessem sido tratadas na altura devida, “provavelmente o curso das coisas teria sido diferente”. |
A pedopsiquiatra Áurea de Ataíde já tinha respondido a uma série de perguntas sobre depressão infantil, o tema que a trouxe aos estúdios da Rádio Observador. Tal como noutras entrevista da série Sair do Labirinto, que fazem parte da nossa secção totalmente dedicada à saúde mental, o objetivo não era a descrição exaustiva da doença ou a eventual longa lista de sintomas e explicações. A ideia, como o próprio nome do programa indica, é apontar caminhos para sair do labirinto de um desafio de saúde mental. Explicar como se trata, o que se pode fazer, o que se deve evitar, a que portas se pode bater. Tal como já fizemos nos casos da dependência da internet, do burnout, da Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção, da Perturbação Bipolar, da ansiedade, do luto e de tantos outros problemas que impactam a nossa saúde mental e de que temos falado no último ano. |
E foi isso que a médica fez durante aqueles minutos — que pode ouvir aqui —, ao explicar que uma depressão na infância ou adolescência pode implicar várias abordagens, dependendo da idade e da situação, mas que qualquer delas necessita sempre da ajuda familiar. O apoio dos que vivem com a criança ou o jovem e o amparo tão importante para lidar com os dias menos bons que se podem transformar em meses ou anos. |
Curiosamente, nem sempre isso ocorre da melhor forma. O estigma continua a pesar bastante, mesmo quando se trata de garantir o melhor cuidado a um filho. Admitir que o problema pode ser mental e, com isso, enfrentar os próprios medos e angústias que é preciso ultrapassar pode ser um tarefa árdua para alguns pais ou algumas mães. Áurea de Ataíde já viu algumas situações dessas na carreira, mas viu também muitas dessas barreiras a esbater-se quando os pais conseguem finalmente admitir que aceitar o diagnóstico de um filho é apenas o primeiro passo para um tratamento de que ele tanto precisa. |
Uma depressão na infância ou na adolescência, sobretudo se for negligenciada ou mal tratada, pode ser a causa, anos mais tarde, de muito stress e ansiedade e um factor de risco acrescido para outros problemas. Há evidência científica que mostra que a propensão para consumo de drogas, poucas capacidades de interação social, comportamentos criminosos ou fraca progressão académica pode ter origem, afinal, numa depressão nos primeiros anos de vida. |
Além disso, todo o tempo que passa até se dar início ao tratamento é propício ao aumento do isolamento e pode até conduzir a comportamentos auto-lesivos, com os jovens a magoarem-se a si próprios. |
Nunca sabemos exatamente qual o impacto que uma texto jornalístico pode ter no rumo da vida de alguém. No caso desta entrevista, porém, se contribuir para uma maior consciencialização dos adultos de que devem estar atentos ao isolamento, à apatia, à irritabilidade, à quebra de rendimento escolar ou à falta de apetite de um filho, então já terá valido a pena. E já terá ajudado a prevenir problemas (de saúde e não só) bem graves no futuro. |
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