O autor deste artigo tem dupla cidadania, americana e portuguesa, mas não reside em nenhum destes países. Por isso, em Inglaterra, onde vive, pode comparar e explicar quão fácil foi votar a partir do estrangeiro nas presidenciais americanas de 3 de Novembro, versus a quase impossibilidade de o fazer nas presidenciais portuguesas de 24 de Janeiro. Uma impossibilidade que resultou numa abstenção portuguesa que foi cerca do dobro da americana. Esta, no caso da abstenção forçada dos emigrantes lusos, chegou aos 95%.  Basicamente, foi retirado o direito ao voto em Portugal a 1,5 milhões de emigrantes, um direito fundamental numa democracia e Estado de Direito, que assim não é nem uma coisa nem outra.

Comparando o que se passou nos dois casos, concluímos que há uma deterioração da democracia em Portugal a vários níveis pior do que sob a presidência de Trump. Este, como se sabe, protestou enormemente contra o voto por correspondência, mas não impediu esse direito, acabando por perder as eleições.

No caso do voto por correspondência americano, não foi preciso lidar com consulados elitistas e distantes  centenas de quilómetros para se servirem a si próprios em vez de aos emigrantes, com alterações de moradas bastante complicadas nem envelopes oficiais pré-formatados erradamente para não chegarem ao destino. Para votar nas presidenciais americanas, bastou-me preencher um formulário eletrónico simples, contendo nome, email, telefone, data de nascimento, número da segurança social, morada atual fora do país e última morada dentro do país (rua, concelho, estado).

No mesmo dia, recebi um email personalizado da responsável pela comissão eleitoral do último concelho onde vivi nos EUA, confirmando a recepção do meu pedido. Pouco tempo depois, após confirmar os meus dados, a mesma senhora enviou-me, por email, os boletins de voto para a presidência, Senado e Câmara dos Representantes. Teve o cuidado de me telefonar para me alertar que já os tinha enviado. Bastou-me pôr as respectivas cruzes nos boletins de voto, introduzi-los num envelope fechado e de remetente anónimo e este num outro envelope maior, que enviei por correio e que também continha o documento assinado que atestava o meu compromisso de honra. Um mês antes da data da eleição, já tinha cumprido o meu dever e direito cívico. Milhões de outros cidadãos americanos puderam fazer o mesmo, facilmente, até perto do dia da votação. Assim, a abstenção média dos EUA foi de apenas 33%. Só não exerceu o seu direito de voto fora do país quem não quis.

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O formulário eletrónica tem as siglas, em inglês, FPCA (aplicação federal postal para registo de voto e pedido de envio de boletim de voto para pessoal militar ou outros cidadãos dos EUA a residir no estrangeiro). Está disponível, oficialmente, em Election Forms and Materials e pode ser consultada em Standard Form 76 – Voter Registration and Absentee Ballot Request – Federal Post Card Application (FPCA).  Inúmeros outros sites de fundações e partidos também fazem ligação para o site oficial como, por exemplo, a fundação para os emigrantes votarem – a Overseas Voter Registration and Absentee Ballot Request. Recebi também vários SMS e  telefonemas de funcionários do governo e de voluntários dos partidos a alertarem-me para esse meu direto de voto e como exercê-lo.

No estado da minha última residência americana, New Hampshire, onde votei, a abstenção nesta última eleição presidencial americana foi de apenas 25%. Este é um estado com um governo eficiente, com excelentes resultados nas mais diversas áreas e onde não se pagam impostos estatais. Por essas três boas razões, são atraídos para aí residir muitos dos profissionais altamente qualificados e bem pagos que trabalham nas grandes empresas da cidade de Boston, que fica perto, mas no estado vizinho.

Passemos agora à muito diferente situação portuguesa, onde a abstenção nesta eleição presidencial ficou entre o dobro e o triplo da verificada no meu estado americano, situando-se 60,7%. Claramente, e infelizmente, em Portugal, o Governo não é eficiente nem tem excelentes resultados em nada para além de cobrar impostos muito altos. A abstenção forçada dos emigrantes foi de 95%, devendo ser uma das piores do mundo, como em tantas outras coisas geridas pelo presente Governo, desde o pior poder de compra da Europa (exceptuando a Bulgária) à pior taxa per capita do mundo de mortos e infectados por Covid-19.

Obviamente que este autor, tal como certamente muitos dos mais de 1,5 milhões de emigrantes portugueses, gostaria de ter, e deveria ter, podido exercer o seu direito de voto, direito básico numa democracia e Estado de Direito, para, por exemplo, propor alternativas aos mesmos políticos de sempre que conduziram país ao atual estado trágico, em ultimo lugar da Europa. Mas não podemos, não nos deixaram votar.

No meu caso, em quase toda a Inglaterra estava a nevar no dia 24 de Janeiro, dia das eleições portuguesas, desde as 6 da manhã. Além disso, devido à pandemia, há um confinamento geral obrigatório e a imposição de multas de mais de mil libras, até penas de prisão, para quem o violar.  São permitidas algumas exceções, mas é certo que as eleições presidenciais portuguesas não estão na lista das autoridades policiais britânicas. Além disso, muitos transportes públicos foram suspensos e o carro, como explicamos mais abaixo, não é alternativa. Vivo nos arredores de Oxford, a cerca de 100 quilómetros do consulado português de Londres.

O consulado português do centro-sul da Inglaterra fica na zona mais cara e de mais difícil e dispendioso acesso em todo o Reino Unido, na zona de congestão central de Londres (W1) e é o único local onde inúmeras dezenas de milhar de emigrantes podem exercer o voto, mesmo vivendo, e são muitos, a centenas de quilómetros de distãncia e sendo um inferno para lá chegar e estacionar. Antes da pandemia e sem neve  seria de qualquer maneira muito e complicado e caro – é necessário pedir uma licença prévia com pagamento via internet, que custa o equivalente a cerca de 20 euros por dia. Qualquer engano nessa licença resulta logo numa multa de 100 euros. Conseguir estacionar naquela zona por aquele valor também é difícil. Parques de estacionamento naquela zona “chique” cobram facilmente 20 euros. Os diplomatas portugueses e o Consulado de Portugal, onde tantos somos obrigados a votar, estão muito bem instalados nesta zona residencial de topo e afastados de quem deveriam servir.

Estes diplomatas e funcionários, nomeados partidariamente, vivem para se servir em vez de servirem os seus concidadãos – foram precisamente eles, os 5% de portugueses que conseguiram votar. Os resultados mostram bem que é esse o caso. Noutro local em tudo semelhante ao que se passa na Inglaterra, na Noruega por exemplo, a “grande vencedora,” com umas dezenas de votos, foi, obviamente, a diplomata Ana Gomes.

O mesmo se passou aquando das eleições legislativas. Nas últimas eleições de 2019, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, com apenas 10 mil votos (provavelmente vindos, na maioria, de muitos dos funcionários consulares e respectivos familiares) foi eleito deputado pelo círculo fora da Europa (ou seja resto do mundo inteiro), onde vivem mais de meio milhão de eleitores portugueses. Qual é a legitimidade de alguém, que é eleito deputado e depois vai para ministro, e que impede quase todos os cidadãos que deveria representar de votar?

Nestas últimas eleições legislativas, aliás, tal como nestas presidenciais, a limitação do direito de voto do emigrante foi flagrante e só pode ser explicada por incompetência gigantesca ou pela mordaça deliberadamente antidemocrata.

Nos consulados portugueses é quase impossível alterarmos a morada quando mudamos de residência, de modo a podermos receber um boletim de voto por correio e não sermos obrigados a guiar centenas de quilómetros para ir votar.

Quando vamos ao Consulado – se conseguirmos marcar uma reunião mesmo com meses de antecedência – a resposta que nos dão, apesar de munidos de provas de cidadania e da nova residência, incluindo registo de propriedade da casa e contratos de água e luz, é “paciência, se perdeu ou não tem a carta dos códigos “simplex” que lhe emitiram há uma década ou enviaram para uma morada que você já não tem, vá da Inglaterra à loja do cidadão em Lisboa”.

Quando, meses depois, gastamos dias de férias nessa loja ou no campus da Justiça também nada fica resolvido. Conclusão, nunca podemos receber na morada onde realmente vivemos no estrangeiro qualquer boletim para votar. Mesmo aqueles emigrantes cheios de sorte, que recebem esses boletins, notam que estes não cabem nos envelopes burocráticos obrigatórios e que tais envelopes têm instruções de pagamento de portes apenas em francês, como se um simples carteiro inglês percebesse e soubesse o que fazer com eles a não ser, certamente, deitá-los no lixo por ausência de selo.

Lixo é o que os governantes portugueses atuais parecem pensar do direito ao voto de quase todos os emigrantes e, já agora, da maioria dos cidadãos em território nacional, uma vez que temos uma das maiores taxas de abstenção da Europa. Tendo em conta esta realidade, uma abstenção em muitos casos forçada e involuntária, Marcelo teve, na realidade, pouco mais de 20% dos votos dos eleitores portugueses e a segunda candidata mais votada apenas cerca de 5%. Tais números começam a pôr profundamente em causa a legitimidade da representatividade nos cargos políticos da nação. Palavras bonitas e de circunstância que estes dois candidatos emitiram sobre a abstenção dos emigrantes na noite das eleições, leva-as o vento.  São precisas ações e reformas que levem a um voto por correspondência simplificado, à semelhança do que acontece nas eleições americanas.