Vejamos: a Rússia invadiu a Ucrânia, que está a perder a guerra e, em princípio, fica pior depois da tomada de posse de Trump, que, à margem disso, anuncia taxas exorbitantes a tudo quanto venha de fora, ameaçando encarecer a vida para o mundo inteiro, incluindo para a América. A Rússia está a ganhar a guerra, mas precisa da ajuda da Bielorrússia, da Coreia do Norte, do Iémen e, oficiosamente da China. Abaixo do Paralelo 38, a Coreia do Sul está em ebulição, com o Presidente a declarar lei marcial porque a oposição, diz, está feita com a Coreia do Norte, o parlamento a recusar, democraticamente, a medida não democrática e a querer agora destituir o Presidente. Entretanto, Israel continua em guerra com a Palestina, o Líbano e o Irão e os rebeldes voltaram a atacar na Síria, agora sem o apoio do Hezbollah dilacerado por Israel e obrigando a um esforço adicional da Rússia e do Irão, que ambos dispensavam. Nisto, a Geórgia ameaça ser a nova Ucrânia, tal como a Ucrânia já foi a nova Geórgia, que há anos viu a Rússia invadir-lhe e anexar-lhe, informalmente, parte do país, e agora se revolta contra a súbita hesitação governamental no antes prometido caminho para a União Europeia.
Entretanto, aí, outrora o mais bem-sucedido projecto de cooperação internacional da História, vão-se multiplicando os líderes pró-Russos, primeiro só na Hungria, depois na Eslováquia e, agora, eventualmente na Roménia. Mergulhada numa crise política e financeira, a única certeza que França tem, neste momento, é que está obrigada a drásticos cortes na despesa – e sabemos, há séculos, como os franceses reagem de forma pacífica de cada vez que lhes querem cortar o que quer que seja. Enquanto isso, a outra metade do eixo franco-alemão, aquele que nos habituámos a pensar e ver como força motriz da Europa, avança a recessão, o descontentamento com o governo e o crescimento da extrema-direita, com a indústria automóvel mergulhada numa crise que, há pouco, poucos se atreveriam a supor, depois de o país adormecer na forma e se deixar ultrapassar, pela esquerda, pela direita e até pelo meio pelos eléctricos chineses – até pareciam latinos. Tudo isto no momento em que a Europa está a obrigada a investir em defesa como nunca nos últimos 80 anos.
Para muitos de nós, o futuro nunca foi tão incerto em termos políticos, económicos, militares, tecnológicos e, por consequência de tudo, sociais. E quem temos à frente dos destinos de Nações Unidas e Conselho Europeu neste momento tão (sai o eufemismo da moda) desafiante? António Guterres e António Costa. Tó & Tó. A picareta falante e o optimista irritante. O PS da rosa.
Bem sei que muitos portugueses se enchem de orgulho de que cada vez que um compatriota é nomeado para estes altos cargos; eu fico aflito. Não podiam ter ligado primeiro a pedir referências? É que depende do compatriota. Se Guterres e Costa fossem líderes de capacidades extraordinárias, tendo liderado os governos de Portugal durante 15 dos últimos 30 anos, a expectativa mínima seria a de que o país estivesse ali à beirinha de entrar para o G20 – e não como convidado solteiro do amigo Brasil para o fazer sair de casa e conhecer umas miúdas doutras paragens. Vá, que estivesse razoável. Onde as pessoas conseguissem pagar a casa e um quinto da população não vivesse abaixo do limiar da pobreza, pronto. Mas não é o caso, pois não?
Então, que qualidades terão levado Tó I e Tó II aos prestigiantes cargos que hoje ocupam? É simples: a conversa, a garganta, a ginga, o – e custa a crer que a melhor palavra para descrever esta característica seja de inspiração não portuguesa – parlapiê. Têm parlapiê para dar, vender, mandar para Marte e dar um nó na cabeça do Chat GPT. Um e outro fogem de fazer reformas como o Diabo da cruz. Na melhor das hipóteses, deixam tudo exactamente como está. São como o Melhoral: não fazem bem, nem fazem mal. Mas isso, neste momento, para o mundo, é fazer muito mal.
Algumas semanas atrás, vimos Guterres faltar à cimeira de paz promovida pela Ucrânia e ir ao beija-mão a Putin no encontro dos BRICS. Nesta, Costa, antigo ministro de Guterres, estreou-se à frente do Conselho Europeu com uma viagem a Kiev e o discurso de que a União tudo fará para levar a Ucrânia à vitória – por azar, quase ao mesmo tempo que Zelensky, pela primeira vez, admitia ceder território à Rússia, ainda que temporariamente, em nome da paz. Seria só garganta, António? Parlapiê? Ou estamos preparados para os actos?
Mas quem sabe? A conversa, afinal, sempre foi a maior dádiva portuguesa ao mundo. A capacidade de diálogo, o improviso, a descontracção, a empatia. Só por isso um país então com milhão e meio de habitantes (mais ou menos o mesmo que o IC19, por volta das 18h), chegou a estar espalhado pelos cinco continentes. Porque, apesar de todos os seus pecados imperiais, sempre se misturou mais e melhor com os povos de chegada do que os homólogos europeus. O mesmo povo, que, séculos depois, continua a não resistir a um estrangeiro na rua e que, em poucos minutos, está sentado à mesa com ele, a tentar convencê-lo de que este é o melhor país do mundo para, logo a seguir, estabelecida a amizade, tentar explicar-lhe que é o pior.
Ninguém me tira da cabeça que foi por isto que a ONU escolheu Guterres e a Europa Costa, como já antes, então para liderar a Comissão, Durão Barroso (outra figura célebre pela, como dizer?, elasticidade das suas ideias). É ver o que aconteceu a ambas as organizações desde então. Não é necessariamente responsabilidade destas figuras, mas talvez tenham o tipo de perfil que é preciso chamar quando, esgotados todos os recursos, resta tentar dar a volta ao polícia ou fazer amizade com o ladrão, a ver se ele simpatiza connosco e devolve a carteira.
A conversa continua. Até à vitória pelo cansaço, sempre.