Depois da pior fase da pandemia, ficámos duplamente vacinados. Quer da vacina propriamente dita, quer da crença em especialistas que diziam uma coisa ás segundas, quartas e sextas, enquanto éramos presenteados às terças, quintas e sábados, por outros especialistas que diziam excatamente o contrário. Se levada ao extremo do ridículo, o direito à opinião reduzida a especialistas, conduziria a que apenas os licenciados em Direito se pudessem pronunciar sobre assuntos de justiça. Do mesmo modo seria absurdo que as opções energéticas do país, que afectam o quotidiano de cada um, ficassem restritas à apreciação dos governantes de ocasião, dos operadores ou dos especialistas.

Existem questões de puro bom senso no que respeita ao interesse público suficientes para se questionar a razão pela qual o governo português decidiu fechar a única central eléctrica a carvão ainda em funcionamento, mais concretamente a Termoeléctrica do Pego.

Todos as decisões relacionadas com energia, trazem sempre consigo o opróbrio do suborno e da corrupção. É histórico, mas não vamos por aí. Quando o ex-chancelar alemão Gerard Schroeder aceitou os cargos de administração em petrolíferas russas, ficámos esclarecidos, que quando se trata de dinheiro, os ex-governantes alemães não são mais escrupulosos que os portugueses, gregos ou italianos. Sem distribuir culpas ou suspeições, porque para tal são precisas provas, vamos só satisfazermo-nos com a noção, que discutir a existência de negócios duvidosos na energia, é como discutir a existência ou não de bruxas.

Outrossim, mais importará compreender a decisão do governo português do ponto de vista estritamente do interesse nacional, sem anátemas que condicionariam toda a discussão.

É certo e sabido, que a poluição pelo carvão é a que mais contribui presentemente para as alterações climáticas, pelo que, à partida, o encerramento de todas estas centrais é um contributo para a descarbonização. Acontece que a poluição gerada pelo carvão não respeita fronteiras e no mesmo momento em que Portugal fechava a sua única central – meses antes da guerra na Ucrânia — a Espanha ordenou às operadoras das centrais espanholas em processo de encerramento, que com urgência voltassem a produzir energia, perante a escalada dos preços da eletricidade e como prevenção para os chamados” apagões”. As centrais a carvão espanholas, de Ferrol na Galiza a Los Barrios em Cádiz, voltaram a funcionar, mesmo já se encontrando em processo de reconversão para o hidrogénio verde. Localizações estas, como se vê, muito “longe” de Portugal, pelo que, em termos de melhoria da qualidade do ar, os portugueses do Minho e do Algarve ficam muito mais protegidos com o encerramento de uma central em Abrantes e com isso têm uma divida de gratidão com o ministro do Ambiente.

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É certo que Portugal investiu bastante nas energias renováveis, sobretudo nos tempos do Sr. Sócrates através de contratos com preços de sonho para os operadores e preços de tragédia para os consumidores e para o Estado. Mas, não fosse a intermitência própria das renováveis, estaríamos protegidos, sem prejuízo de eletricidade paga ao nosso preço, o fosse na Europa do Norte, já teria havido várias revoluções nesses países e a guilhotina faria a sua reaparição em França.  Infelizmente as energias renováveis só funcionam quando a natureza assim o permite e por isso, estamos a comprar a energia nuclear que não queremos instalar cá – os outros que corram os riscos — e energia a partir do carvão, que também não queremos produzir, mas cujas emissões não nos importamos de respirar, desde que a Central seja em Ferrol ou em Cádiz.

A Alemanha, que tencionava encerrar as suas centrais a carvão apenas em 2038, tem vindo a reabrir algumas fechadas há mais de dez anos e isto ainda antes da guerra na Europa. Com o conflito na Ucrânia e as sanções à Rússia, talvez passe para 2050. Os nossos vizinhos espanhóis que vivem no mesmo espaço físico que Portugal, pensavam e certamente já não sonham sequer, em encerrar todas as centrais a carvão em 2027. Portugal, um expoente ocidental da proteção ambiental com alguma parolice associada, fechou a sua central a carvão em 2021.

Acontece que essa coisa maçadora que é a realidade, inevitavelmente continua a triturar fantasias. Com os preços actuais da eletricidade e do gás a subir, as centrais a carvão na escala de mérito que fixa o preço — mais competitivo apesar dos custos em carbono – voltarão a produzir e ainda em maior escala. A alternativa será ficarmos às escuras ou pagar a eletricidade ao preço do caviar.

Portugal aderiu à então CEE em 1986 e não foi admitido mais cedo, porque não estivesse preparado, mas porque a Espanha não o estava e, olhando para a geografia, decidiu-se na Europa que seria mais lógico que entrassem ambos no mesmo momento, como veio a suceder.

Qualquer cidadão comum perceberá, que de um ponto de vista ambiental, é inexistente qualquer benefício decorrente de fecharmos a central de Abrantes enquanto a Espanha não fechar igualmente todas as suas centrais. Por isso, a data sensata para o encerramento das centrais em Portugal deveria ser o dia em que a Espanha encerrasse a sua última.

Mas ao invés do bom senso, os titulares do nosso Ministério do Ambiente possuem dois predicados só aparentemente contraditórios: o deslumbramento e o pedantismo. Uma tristeza.