Foi impressionante o número de portugueses interessados nas eleições internas do PSD e do CDS: quase nenhuns. Foi pena, visto que os respectivos resultados mostram com relativo rigor as atitudes assumidas pelas actuais “direitas”. O PSD reelegeu o dr. Rio, e com ele a convicção de que o poder não existe à revelia do PS e de que o PSD existe para prestar vassalagem ao PS. Quanto ao CDS, elegeu um rapaz conhecido por “Chicão”, que nas horas vagas é amigo do filho do dr. Costa e no expediente levou para a direcção um sujeito que é salazarista, antissemita e autor de um método para curar a homossexualidade.

Em suma, uma parte da direita tem vergonha de ser direita e subjuga-se à esquerda. A parte que sobra orgulha-se de ser direita e decidiu competir com a esquerda em matéria de grunhice. E o jovem “Chicão”, que admira Thatcher e frequenta casórios de socialistas, está em todas. Perante isto, uma pessoa pergunta-se se não haverá vida inteligente algures entre os extremos. E uma pessoa responde-se que com certeza, embora seja menos abundante do que a quantidade de dirigentes desportivos presos na sequência do Football Leaks.

É evidente que a direita traumatizada que o dr. Rio representa e a direita envergonhada representada por nomes sortidos do PSD e do CDS são uma das causas do domínio que o PS estendeu sobre o Estado e, dado que mal se distinguem, o país. Não sei se o PS ainda é um partido democrático ou sequer se o chegou a ser. Sei que as condições em que hoje manda nisto têm muito pouco de democráticas, e que a reverência ou no mínimo a tolerância de supostos opositores constituem a legitimação do processo de subversão do regime consagrado em finais de 2015. Para criaturas com um pingo de decência, o PS merece a distância suscitada pela peçonha: gente civilizada não colabora com aquilo, não dialoga com aquilo, não toca naquilo. Gente civilizada, e que possua uma réstia de esperança, combate aquilo.

Convinha é que se combatesse aquilo de modo civilizado, e não através da descida ao buraco em que habitam os socialistas e os estalinistas, maoistas, trotskistas, carreiristas, terroristas e vigaristas seus aliados. Infelizmente, enquanto espera o desabrochar do antissemita do CDS, versão “escandalosa” dos antissemitas admissíveis à esquerda, a direita rija, musculada e viril decidiu abraçar, a título de epifania, os ensinamentos de um moço que comenta futebol num dos canais do “sistema”, um campeão da moralidade preso por um emaranhado de fios às trapalhadas obscuras de um clube da bola. Repito o que escrevi há tempos: André Ventura tem a virtude de conseguir irritar os espécimes que dá gosto de ver irritados.

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A chatice é não ter mais nada, excepto lábia de taberna, cujo conteúdo é o exacto reflexo da arrogância marxista e cuja forma é a exacta imitação. Ao primarismo da esquerda, André Ventura contrapõe o primarismo de certa direita. Se a esquerda puxa a carta do “racismo”, o chefe do Chega lança uma graçola racista. Se a esquerda belisca a adorada pátria, sai bazófia patriótica. Se a esquerda teima na cretinice da “identidade de género”, leva com uma atoarda sobre os mariconços. Se a esquerda acarinha tudo o que é bandidagem, promete-se enfiar multidões na choça até ao Segundo, ou Terceiro, Advento. Etc.

Boçalidade e demagogia versus boçalidade e demagogia. É possível que a técnica convença os cidadãos impacientes e cansados da docilidade da direita tradicional. Porém, é pena que a reacção ao socialismo se faça através de aproximações ao fascismo que a esquerda sempre agitou como insulto e estratégia defensiva. O fascismo, ou posições susceptíveis de confusão com o fascismo, não é o oposto do socialismo: é a sua natureza, que os socialistas procuram colar aos adversários para efeitos de distinção e propaganda. Por regra, os “fascistas” que a esquerda inventa nunca o são. André Ventura e principalmente diversos seguidores de André Ventura parecem às vezes pouco empenhados em demarcar-se do epíteto.

Não me entendam mal (ou entendam, que me é indiferente): a “normalização” do totalitarismo de esquerda, de que já não podemos excluir o PS, é um aspecto particularmente repugnante da nossa experiência colectiva, e uma explicação válida do atraso em que vivemos. Também não me esqueço das culpas que uma direita com propensão para capacho possui nessa “normalização”. Apenas acho que a alternativa à direita-capacho não é a direita-carrasco, movida pelos princípios discriminatórios, ressabiados, proibicionistas e primários que definem a essência da esquerda. Arriscando passar por excêntrico, gosto da liberdade, leia-se o direito a arruinar os meus dias à conta das minhas escolhas, que são minhas e não de entidades míticas ou terrenas, do Estado à Nação, às quais não passei procuração para me salvar. Se calhar, estou para aqui a sonhar com um produto sem procura em Portugal.

Nas “presidenciais” do ano que vem, além de dois ou três exotismos leninistas, é provável que a direita-capacho, ou castrada, enfrente a direita-carrasco, ou sedenta de castrar. De um lado, o prof. Marcelo, perito em “afectos” e fotografia amadora, íntimo do dr. Salgado, parceiro do dr. Costa e o pioneiro que puxou o dr. Louçã a conselheiro de Estado. Do outro, a voz do Benfica que costuma debater ao nível da ex-deputada do Livre. O compadrio contra a brutalidade, habilidosos contra oportunistas, pantomineiros contra pantomineiros. No meio, palpita-me que não haverá vivalma. Se houver, não haverá vivalma para votar aí. Neste canto esquecido do mundo, a liberdade é um lugar solitário.