Há muita gente na direita portuguesa que tem a expectativa de poder dar a mão a António Costa no pós-eleições legislativas de 2019. No PSD, Rui Rio assumiu que estaria disponível para viabilizar no parlamento um governo minoritário do PS – para, assim, o PS não ter de depender do apoio de PCP-BE. No CDS, Assunção Cristas não o assume explicitamente, mas o seu posicionamento político indicia disponibilidade para entendimentos com o PS. E, nos bastidores da direita, há mesmo quem mantenha o sonho de um bloco central. Até se percebe: os partidos precisam de poder e, com PS a dominar as sondagens, seduzir os socialistas parece ser o caminho mais directo para a direita manter algum acesso à máquina do Estado. Parece, mas não o é. Eis o maior equívoco estratégico em que a direita poderá cair até às legislativas de 2019.
Primeiro, porque o PS encontrou no apoio da esquerda aquilo que acredita ser a fórmula do poder perpétuo. Por um lado, PCP e BE têm uma implantação muito significativa na administração do Estado, nomeadamente através da CGTP, e a sua aliança com o PS permite ao governo tomar decisões executivas sem encontrar obstáculos internos e bloqueios administrativos. Por outro lado, PCP e BE são os únicos partidos em Portugal especializados em fazer oposição aos governos. No parlamento, claro, onde os seus ataques sempre foram os mais eficazes nos debates e audições parlamentares – PS e PSD, quando estão na oposição, ficam à espera que o natural desgaste do governo promova alternância e os devolva ao poder. Mas, sobretudo, a influência de PCP e BE mede-se nas ruas, porque são eles quem define o volume do ruído e activa a dita contestação social – isto é, o ambiente de crispação política estipula-se pelas conveniências desses partidos. Como tal, ter PCP e BE do lado do governo é fulcral para o PS: não é só uma questão aritmética de votos no parlamento, é sobretudo uma questão de controlo.
Está, portanto, enganado quem à direita achar que o xadrez político está no parlamento e que a estabilidade de um governo pós-2019 se determinará pelo número de assentos na Assembleia da República. Sim, ter uma maioria de deputados é imprescindível e, é verdade, a direita poderia teoricamente proporcionar condições parlamentares para sustentar um governo PS. Mas se o PS aceitasse esse cenário, perderia tudo o resto – isto é, a mordaça sindical, a máquina do Estado e a paz nas ruas. O preço é demasiado alto. Recorde-se que foi precisamente aí que Marcelo colocou a tónica, há um ano: a “descrispação” havia sido a conquista de 2016. Sem surpresa, não são raros os socialistas que preferem que o PS não obtenha maioria absoluta em 2019, de modo a ser forçado a renovar os laços com a esquerda parlamentar.
Segundo, porque não existe um contexto político que force o PS a escolher dar a mão à direita e abdicar das vantagens estratégicas acima mencionadas. Na história da democracia portuguesa, o PS procurou entendimentos com PSD ou CDS apenas em circunstâncias de emergência nacional e porque, efectivamente, o PCP de Cunhal representava um bloqueio político à modernização do país e à sua europeização. Ora, não somente o contexto actual é completamente distinto, como os entendimentos do PS com a direita nunca geraram governos estáveis e de mandatos longos. Ou seja, a existência de precedentes quanto a acordos parlamentares ou a um Bloco Central não torna esses cenários mais plausíveis no pós-2019 – aliás, torna-os mais implausíveis.
Terceiro, porque o apoio parlamentar da esquerda a um governo PS não constitui uma anormalidade democrática que deve ser erradicada. Muito pelo contrário: a situação que vigorou até 2015, em que o PS não tinha parceiros à esquerda para estabelecer acordos políticos, é que, num contexto das repúblicas democráticas europeias, caracterizava o excepcionalismo português. Ou seja, disponibilizar-se para apoiar ou viabilizar um governo PS em nome do afastamento de PCP e BE do poder, como se ouviu do PSD de Rui Rio, é passar ao lado do ponto fundamental: não há nada de errado em ter PCP e BE a apoiar o PS, a não ser discordâncias políticas. Mas, lá está, se o ponto é a discordância política, então é mais útil à direita apostar todas as suas fichas em constituir-se como uma alternativa política ao próprio PS.
A direita vive um momento estratégico definidor: para chegar ao poder, ou junta forças em nome de um projecto comum que erija uma alternativa política a PS-PCP-BE, respeitando as diferenças entre PSD e CDS, ou alimenta equívocos e ilusões sobre a disponibilidade do PS em lhe dar a mão. Há demasiada gente à direita que, entre as duas, prefere a segunda hipótese. Vão desiludir-se. E, pelos vistos, não aprenderam a lição das autárquicas, que é nesse sentido inequívoca: quem não tenta vencer, perde por muitos.