O artigo da semana passada levou José Ribeiro e Castro a dar-se ao trabalho de me explicar gentilmente a diferença entre “apoiar” e “viabilizar” um governo. Reconheço a diferença, mas continuo sem ver a sua importância. Não estamos na década de 1990, nos anos do “fim da história”. CDS e PSD viabilizaram então orçamentos de um PS sem maioria. Notou-se depois, porém, este contraste: nunca o PS retribuiu o favor. Desde aí, sempre que a direita quis governar, precisou de uma maioria absoluta. Viu-se em 2015. Neste século, o “fim da história” também chegou ao fim. A guerra do Iraque, a crise bancária de 2008, a avalanche migratória de 2015, e o wokismo americano repuseram, por todo o Ocidente, dicotomias que alguns tinham julgado obsoletas. Em Portugal, também não estamos em 1995. 30 anos de poder socialista custaram ao país o mais longo período de divergência da Europa desde a II Guerra Mundial, a maior emigração desde a década de 1960, uma crise dos serviços públicos sem precedente, e o assalto wokista à história e identidade nacionais. Neste momento, AD, IL e Chega pedem votos para mudar tudo isso. Se depois de 10 de Março, a AD viabilizasse, mesmo que por abstenção, um governo do PS, estaria a reconhecer que, ao contrário do que tem dito, as coisas correm tão bem que não fará mal que o país continue sujeito ao poder socialista. Teria, para a AD, o mesmo efeito de apoiar a governação socialista. Ora, ao contrário da década de 1990, há alternativas à direita: IL e Chega, à espera de herdar os eleitores desiludidos da AD. Caro Ribeiro e Castro, com todo o respeito e estima: mesmo que tenha havido diferença entre viabilizar e apoiar, deixou de haver. Os tempos mudaram.
E se ainda houvesse dúvidas sobre se é assim ou não, bastaria reparar no que aconteceu após o discurso de Pedro Passos Coelho. Todos os partidos de direita – PSD, IL, Chega – aplaudiram, pelo menos o que ele representa (Rui Rocha lembrou até que votou nele duas vezes). E todos os partidos de esquerda – PS, BE, PCP, Livre, PAN – reagiram com a raiva pavloviana que também não conseguem conter quando fala Cavaco Silva. No mundo da esquerda, Passos é Hitler, os impostos são baixos, e o país não precisa de fronteiras. Como pode a direita viabilizar o governo de quem pensa assim, ou governar efectivamente dependendo de quem pensa assim?
E por isso, faz sentido o que de mais importante Pedro Passos Coelho disse: o papel dos partidos da direita, neste momento, é desafiar os eleitores a darem-lhes um mandato forte para corrigir o rumo da governação. 30 anos de socialismo ameaçam deixar o país como o mais pobre da UE – e isso significa menos rendimento, menos casas, menos saúde. Se os partidos à direita do PS servem para alguma coisa, só pode ser para dar aos portugueses, em eleições, a escolha de uma efectiva mudança de poder. Qualquer novo governo que pretendesse depender do PS, mesmo que apenas em termos de “viabilização”, falsearia essa escolha. Por isso, como sugeriu Passos Coelho, faz sentido que o PSD peça aos eleitores uma maioria absoluta. Tal como faz sentido – e agora digo eu — que, não a obtendo, esteja disposto a organizar os partidos de direita, se em maioria, de modo a sustentarem um governo forte. E como o que importa é um governo forte, capaz de reformas, não bastará encurralar o Chega, caso os seus votos sejam necessários, sem qualquer entendimento. Esse seria um governo fraco, e o país, se é verdade o que o PSD anda a dizer, não pode permitir-se o luxo de um governo fraco, sempre inseguro acerca da próxima votação parlamentar. É importante aplaudir Pedro Passos Coelho. Mas é ainda mais importante ouvi-lo.