Úrsula Von der Leyen disse exactamente aquilo que os Chefes de Estado e de Governo da União Europeia deviam dizer e que a maioria ainda não disse com clareza.

No discurso do Estado da União, esta quarta-feira, a presidente da Comissão explicou que as dificuldades que aí vêm, e que são muitas, não resultam do apoio europeu à Ucrânia, mas antes da agressão russa à Ucrânia e à própria Europa. Parecendo um detalhe, não é. E, além disso, não disse que ia ficar tudo bem.

Desde o início da guerra que se sabia que a Europa tinha duas opções. Uma, voltar a ignorar a agressividade russa, como fez em 2004, quando o Kremlin envenenou o que viria a ser o vencedor das eleições presidenciais ucranianas, o pró-europeu Viktor Yushenko, ou em 2014, quando invadiu a Crimeia. Para não falar na agressão à Geórgia em 2008, ou nos crimes cometidos contra dissidentes, tanto na Rússia como em solo europeu. A outra, finalmente perceber que todos esses gestos provavam que a agressividade russa não ficaria satisfeita, que podia não parar nas fronteiras da Europa, e que a Europa não tinha um vizinho instável, mas antes um inimigo às suas portas. Foi precisa a brutalidade da invasão de 24 de Fevereiro, e a atenção que os americanos lhe deram nas semanas que a antecederam, para que os europeus reagissem. Mas a verdade é que reagiram. Uns, como os polacos, os bálticos e os nórdicos, logo; outros, como França e Alemanha, com alguma resistência. E outros, como Órban, (ou Le Pen, ou Mélenchon) cumprindo apenas os mínimos. Ou mesmo menos que isso. E com frequência invocando o custo da guerra para os europeus para justificar as suas escolhas, que na verdade têm muito mais que ver com sintonia entre quem não aprecia a democracia liberal ocidental do que genuína preocupação com o impacto na economia.

É aqui que entra a importância do que disse Von der Leyen. E do que ainda não foi dito por muitos dos líderes europeus.

O apoio à Ucrânia e as sanções à Rússia, e a resultante turbulência do mercado energético, na produção alimentar e no acesso a importantes exportações russas, terão enormes e duras consequências para os europeus. Por muito que os governos, e a União Europeia, se possam esforçar – com umas medidas melhores que outras – para reduzir o impacto do aumento do custo da energia e da escassez energética, vai ser impossível proteger tudo e todos. Nos próximos meses os europeus vão sentir, com custo, o impacto da guerra. Explicar que isso é o resultado da agressão russa, e não da solidariedade europeia, é fundamental para evitar resultados ainda piores, como o crescimento de partidos populistas e extremistas, próximos de Putin ou alinhados com os seus interesses, que dirão repetidamente que a crise é o resultado da teimosia ucraniana em resistir e, consequentemente, em arrastar a Europa para a guerra e a crise.

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Úrsula Von der Leyen tem percebido a ameaça, tem mantido a proximidade com os europeus, e tem sabido falar e agir a tempo. Foi a Khyv antes da maioria dos líderes, e abriu a porta à Ucrânia antes de Macron e Scholz terem querido parecer que eram eles quem decidia se a Ucrânia podia começar esse trajecto ou não. Esta quarta-feira, voltou a falar primeiro que muitos e com maior clareza. (Ainda que se deva reconhecer que nos últimos tempos o Chanceler Scholz tem falado mais claro, procurando conquistar os eleitores alemães para a causa da defesa europeia da Ucrânia.)

No mesmo discurso, Von der Leyen falou também da China. E, de novo, com clareza. Disse que a experiência da dependência russa é uma lição para a dependência europeia da China, e não hesitou em acusar Pequim de procurar interferir na democracia e nas liberdades europeias.

O discurso do Estado da União de 2022 não é um discurso de esperança e optimismo. É um discurso que se inspira na coragem ucraniana e pede aos europeus que se inspirem e também resistam, prometendo protegê-los, mas não completamente.

Von der Leyen não disse que o caminho ia ser fácil, mas disse com clareza que havia fortes razões para fazer este caminho. É o que se espera de quem lidera. E (já agora) para isso não é preciso ir rever Tratados.