Esta semana a Comissão apresentou a proposta de um programa de apoio à crise de 750 mil milhões de euros, que chamou “Next Generation EU”, dos quais 500 mil milhões em subvenções e os restantes 250 mil milhões em empréstimos. A ser aprovado, o programa integrará o quadro financeiro para 2021-2027, sendo a maior parcela, de 560 mil milhões, distribuída através de um novo instrumento, “Recovery and Resiliance”, incluído na política de Coesão, e integrando os procedimentos do Semestre Europeu. O restante será distribuído através de um programa de emergência de curto médio prazo (o REACT-EU), de um reforço ao programa Invest-EU, de um instrumento de apoio à liquidez para PMEs e ainda um novo programa de investimentos em saúde pública.

Assim, o novo orçamento da EU quase duplica a proposta anterior, de maio de 2018, o que significa que deverá atingir cerca de 1,8% do rendimento da União, face aos 1,1% propostos em maio de 2018, embora seja ainda curto face ao endividamento dos Estados para fazer face a esta crise que se prevê irá aumentar bastante mais do que 2% do PIB.

Mas que já parte atrasado

O pacote de emergência previsto no plano, REACT-EU, será relativamente modesto, com cerca de 55 mil milhões distribuídos entre 2020 e 2022. Isto representa, em cada um dos anos, sensivelmente um terço do orçamento anual da Política Agrícola Comum e é equivalente ao orçamento anual da política de Ação Externa.

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Mas o instrumento “Recovery and resilience”, que representa mais de dois terços do total da proposta, será integrado no Quadro Financeiro plurianual 2021-2027, que ainda não foi aprovado. Para além do mais, para aceder a este programa, os Estados-membros terão de apresentar até abril de 2021, juntamente com o Plano Nacional de reformas, um plano plurianual de investimentos que será avaliado pela Comissão Europeia, tendo em consideração o European Green Deal (programa de investimentos ecológicos), o Just Transition Fund (mecanismo de compensação da transição para a economia verde) e o programa de transformação digital. Assim, se tudo correr dentro dos prazos, só daqui a um ano é que os fundos começarão a chegar à economia, que por essa altura se espera que já esteja a recuperar. Já depois de ultrapassada a fase de emergência, será de esperar que estes fundos sejam orientados sobretudo para adaptar as economias, nomeadamente aos desafios da transição digital e ambiental, desafios cujo sentido de urgência o coronavírus acelerou.

Condicionalidade

A ideia de condicionalidade ganhou má reputação nos países do Sul durante a crise financeira, em alguns casos com razão. O debate sobre a condicionalidade reacendeu-se com esta crise e, apesar de alguma tensão nas negociações iniciais, chegou-se a um consenso em que a condicionalidade está associada às áreas prioritárias de investimento, o que acaba por representar uma forma mais suave de incentivar os Estados-membros a promoverem a produtividade das suas economias, apesar de haver um reforço da vigilância da Comissão Europeia. No que diz respeito ao pacote de emergência, REACT-EU, a Comissão prevê reforçar alguns programas já vigentes e reduzir a necessidade de coinvestimento, flexibilizando a transferência de fundos de um programa para outro, para permitir fazer face à emergência do emprego e da solvência das PMEs.

Mas a filosofia mudou

A Comissão propõe financiar este programa através de emissão de obrigações no mercado de capitais para redistribuir aos Estados-membros que apresentem projetos em linha com as prioridades da União, em parte a fundo perdido e sem necessidade de cofinanciamento. É uma inovação importante na capacidade de intervenção da União.

Mas talvez mais relevante do que esta novidade, ou até do que a ambição do montante, é esta crise ter como consequência uma alteração importante aos princípios da ação das instituições europeias.

A proposta prevê que as obrigações sejam pagas essencialmente a partir de 2027 e o mais tardar até 2058. Isto obrigaria os Estados-Membros a contribuir para o orçamento bastante mais do que 1% do seu PIB a partir de 2027, o que é politicamente difícil de implementar. Para evitar essa sobrecarga, a proposta da Comissão é fazer uma revisão dos recursos próprios com enfoque nos impostos verdes (incluindo plásticos), impostos sobre o mercado de carbono, que seria eventualmente estendido a mais setores tais como o da aviação e do transporte marítimo, impostos sobre os lucros das empresas de grande dimensão que beneficiam do mercado único e de um imposto digital.

Assim, a Comissão avança com a ideia de criar impostos europeus para financiar políticas europeias. À boleia da crise, a União Europeia pode estar prestes a dar um salto no sentido de uma maior federalização.