Muitas das nossas Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários têm mais de 100 anos de vida, sendo que algumas já ultrapassaram os 150 anos. Hoje, como no momento da sua criação, a sua génese está na necessidade das populações garantirem a sua proteção, face à ausência de instituições públicas que o façam de forma permanente e abrangente.

Por isso, a existência de Bombeiros Voluntários tem a sua identidade própria, valores universais, sendo reconhecidos como uma das organizações mais queridas dos portugueses. Em caso de necessidade, de acidente ou de catástrofe, eles estão sempre presentes, seja no transporte de doentes e sinistrados, no salvamento de pessoas, bens e ambiente, no transporte de doentes com limitações para tratamentos e consultas, no combate a incêndios urbanos, industriais ou florestais, no transporte de água para as populações ou animais, ou nos momentos de elevado risco coletivo como inundações, incêndios florestais de elevada dimensão ou sismos. Onde houver uma necessidade social, o principal agente de proteção civil está presente.

Mas será que o Estado tem consciência da indispensabilidade e importância dos Bombeiros?

Talvez. Mas a falta de apoio financeiro às Associações Humanitárias, a ausência de um Estatuto Social do Bombeiro Voluntário ou a inexistência de uma organização autónoma de comando para os Bombeiros pode permitir que nos interroguemos sobre a verdadeira dimensão do seu reconhecimento. Porque sem sustentabilidade financeira das Associações Humanitárias estamos todos a contribuir para a agonia e o definhamento financeiro, que mais tarde ou mais cedo, vai conduzir ao colapso de algumas das Associações centenárias. Sem Associações Humanitárias equilibradas financeiramente não conseguimos garantir estabilidade económica que permita planear o futuro, construir instrumentos de gestão para apoio à criação de modelos de carreiras e remunerações dos bombeiros com contratos de trabalho e garantir a solvabilidade das organizações. Sem uma Lei-Quadro do Financiamento dos Bombeiros, onde se preveja a criação de “Contratos Programa”, com expressão das responsabilidades de cada uma das partes, ou seja, por um lado, o Estado, através da Administração Central e Local, complementado pela contribuição direta dos Cidadãos (estes através das taxas de seguros que pagam) e, por outro,  a execução das tarefas específicas garantidas pelas Associações Humanitárias e os Corpos de Bombeiros, a sobrevivência deste movimento único de expressão de cidadania – os Bombeiros Voluntários – poderá ter os seus dias contados.

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O património imaterial que se construiu ao longo de mais de 600 anos, do cidadão pelo cidadão, irá transformar-se, se nada se alterar no imediato, na construção de um modelo de resposta às crises sem o cariz voluntário, anulando o espírito de participação social, de abnegação, de exemplo da dádiva de “Vida por Vida”, como o lema dos nossos Bombeiros.

Por isso, o Governo, os Deputados, os Autarcas, as Instituições políticas, têm de olhar de forma diferente para os nossos Bombeiros, começando por entregar às Associações Humanitárias as dotações financeiras suficientes para que a sua sustentabilidade não se agrave, face ao aumento do preço dos combustíveis, dos produtos e das remunerações, condicionados por uma taxa de inflação que não conhecíamos há mais de 30 anos. Não basta apelar às Autarquias para aumentarem os seus apoios. Não é suficiente a simpatia dos discursos dos nossos políticos. Temos de fazer diferente, assumindo atitudes concretas e realistas e entendendo que para situações excecionais exigem-se medidas excecionais. Não há outra solução aceitável de quem tem responsabilidade constitucional pela segurança dos seus cidadãos, que são eleitores e contribuintes.

O Orçamento do Estado para 2023 é, a nosso ver, a oportunidade, atrevo-me a dizer, talvez a derradeira oportunidade, para que o Governo, o Partido Socialista como maior partido com representação na Assembleia da República e os partidos com representação parlamentar, consigam encontrar uma plataforma de entendimento para inscrever, no debate da especialidade, as verbas justas para que o desequilíbrio financeiro da maioria das Associações não se agrave ainda mais. A segurança dos portugueses pode ficar em causa numa situação de profundo desequilíbrio financeiro com implicações diretas ou indiretas nos Corpos de Bombeiros. Estamos convictos que, se nada se alterar, num futuro próximo sairá mais caro, a todos nós, contribuintes, se não olharmos agora, de frente, para a sustentabilidade financeira das Associações Humanitárias, que sem terem tido, em 2022, apoios diretos para enfrentar os aumentos brutais dos preços dos produtos, apesar das sucessivas propostas e sugestões feitas pela Liga dos Bombeiros Portugueses, e com a inscrição no OE 2023 de uma dotação inferior à taxa de inflação, estamos todos a “brincar com o fogo”.

A sociedade em geral e os políticos em particular têm de refletir sobre o querem dos Bombeiros portugueses, pelo que apelamos ao Senhor Presidente da República, aos Deputados da Nação, aos Autarcas e aos cidadãos que apoiem os Bombeiros e confiram às Associações Humanitárias a confiança que todos esperam na manutenção da capacidade operacional dos seus Corpos de Bombeiros, antecipando cenários negativos e agindo de forma decisiva.

A Liga dos Bombeiros Portugueses, enquanto representante das Associações Humanitárias, das entidades detentoras dos Corpos de Bombeiros e dos Bombeiros (essas mulheres e homens que dia a dia dão o melhor de si no socorro e salvamento de pessoas, bens e ambiente, não olhando a perigos para exercer civicamente o seu juramento), não deixará, sempre que seja necessário, de alertar, apelar e exigir que sejam assumidas as responsabilidades por todos e cada um dos agentes políticos.

Portugal tem de ter Associações Humanitárias económica e socialmente estáveis, corpos de bombeiros dotados de material, equipamento e recursos humanos, de bombeiros motivados, que acreditem no presente e no futuro, de elementos de comando enquadrados e motivados, de dirigentes associativos conscientes dos seus deveres, mas também com direitos, do movimento associativo de sócios e beneméritos interessados na atividade social das Associações Humanitárias, de cidadãos que sintam que os Bombeiros são os seus Bombeiros e que no momento em que precisarem eles lá estarão a seu lado.

Ou seja, Portugal, a sociedade, os portugueses, precisam dos seus Bombeiros, hoje e no futuro, como há mais de 600 anos.

Honra e Glória aos Bombeiros portugueses.

Viva Portugal.

15 de outubro de 2022