1. Parece que o eleitorado de direita está desiludido com o Presidente da República. Não gosta da sua proximidade ao governo e sente-se traído. A grande vantagem das pessoas de direita que não votaram em Marcelo, como eu, é não sentirem essa desilusão. Nunca tive qualquer ilusão sobre uma suposta solidariedade de Marcelo com a direita partidária. Sempre me pareceu evidente que, eleito Presidente, iria colaborar com o governo socialista. Essa evidência tinha tanto a ver com a personalidade de Marcelo Rebelo de Sousa como com o lugar da presidência da república no sistema político português. O Presidente não é eleito para fazer oposição ao governo. E quando faz, não está a cumprir as suas funções. Além disso, seria politicamente suicida, Marcelo tornar-se um Presidente de direita. Cavaco nunca foi um Presidente de direita. Por que haveria Marcelo de o ser?

Além disso, se a direita precisar do Presidente para regressar ao poder, será um sintoma de fraqueza política, que em nada abonaria a favor de um futuro governo. Em política, o poder conquista-se, não se recebe dos outros. Aliás, estou convencido que nem Passos Coelho alguma vez desejaria ser visto como o candidato de Marcelo, nem o Presidente quer ser visto como o líder de facto do PSD. No entanto, Rebelo de Sousa não só terá um segundo ano de mandato mais difícil do que o primeiro, como será forçado a afastar-se do governo.

No seu primeiro ano de mandato, Marcelo teve uma grande virtude. Fez tudo para que o governo cumprisse os compromissos europeus. Já o disse mais do que uma vez, apoiado por dois partidos de extrema-esquerda anti-europeus, o governo poderia ser tentado a desrespeitar as regras da zona Euro. E, no início, houve tentações. Mas o Presidente foi sempre firme na questão europeia. O convite a Mario Draghi para estar presente no primeiro Conselho de Estado da era de Marcelo foi um sinal evidente. O primeiro-ministro entendeu o aviso. Sem ser fervosamente pró-europeu, o que só lhe fica bem, Marcelo entende muito bem a importância da integração europeia para Portugal.

Os ataques da geringonça a Carlos Costa e a Teodora Cardoso mostram que as esquerdas neste momento querem o poder absoluto em Portugal. O Presidente é o travão mais forte ao poder absoluto da esquerda em Portugal. Por isso, estará condenado a afastar-se do governo. Marcelo terá que ser o principal defensor do estado de direito e da independência das instituições. Mais uma vez, até pela sua formação académica, e apesar do modo ligeiro como muitas vezes se comporta, Marcelo tem uma sensibilidade institucional apurada. Como se viu, de resto, durante os últimos dias com o apoio discreto, mas firme, a Carlos Costa e a Teodora Cardoso.

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Com o passar do tempo, Marcelo até poderá precisar do apoio da direita. A aliança do governo e das esquerdas com o Presidente é táctica e de conveniência mútua. Não vai durar para sempre. As esquerdas querem uma maioria, um governo, e um Presidente. E não vão desistir. Neste momento, não lhes interessa atacar o Presidente, mas chegará o dia em que o confronto com Belém deixará de ser adiado. Quando esse dia chegar, a direita, apesar da desilusão, terá que apoiar Marcelo. Não terá alternativa, nem mesmo aqueles que não votaram nele. Eu lido com o Presidente da seguinte maneira: limito-me a ver e a ler as entrevistas, por dever de ofício, ignoro as visitas que faz pelo país fora, e sempre que aparece ao lado de António Costa, mudo de canal. Em relação ao Presidente só me interessam duas coisas. A atitude em relação aos compromissos com a zona Euro e a defesa da independência das instituições do Estado. O resto trato como campanha política; não me interessa.

2. A Caixa Geral de Depósitos revelou quase dois mil milhões de perdas. Em grande medida, o prejuízo resulta de empréstimos irrecuperáveis, feitos durante os consulados de Sócrates como primeiro-ministro. As notícias dizem que o PS desvaloriza as perdas. O contribuinte que as pague. O banco do Estado tem sido o banco da oligarquia política.

Como é evidente, nada disto passou despercebido em Bruxelas e em Frankfurt. Assim, a Comissão Europeia obrigou a participação de privados na recapitalização da CGD. Mais, o tipo de obrigações que o banco vai colocar no mercado poderão transformar-se em capital acionista se a Caixa no futuro precisar de se recapitalizar. Ou seja, o governo socialista pode ter começado a privatização da Caixa, nas costas dos portugueses, de acordo com a tradição socialista. Eis a consequência dos anos de Armando Vara na Caixa a obedecer às ordens de Sócrates.