A DGS recomendou a vacinação contra a Covid-19 a partir dos 5 anos de idade. A informação surge numa frase lacónica: “esta recomendação surge na sequência da posição da Comissão Técnica de Vacinação contra a COVID-19 (CTVC), que considerou, com base nos dados disponíveis, que a avaliação risco-benefício, numa perspetiva individual e de saúde pública, é favorável à vacinação das crianças desta faixa etária”. Mas que benefícios individuais são esses, quais os riscos em causa, que ponderação foi feita e, num tema tão discutível, quem discordou e quem concordou com a posição final da DGS? A resposta possível é esta: não se pode dizer. É segredo. Na perspectiva da DGS, os pareceres técnicos são e devem permanecer sigilosos.

O primeiro problema deste sigilo é evidente: não é possível escrutinar uma decisão cujos fundamentos são secretos. Numa democracia, onde as instituições devem precisamente estar sujeitas a esse escrutínio, isto representa uma falha estrutural e grave — e não é um acaso que em muitas democracias maduras, como EUA e Reino Unido, os pareceres deste tipo sejam sempre públicos. Acresce o facto de essa recomendação da DGS ter de ser avaliada por milhares de famílias portuguesas quanto à vacinação dos seus filhos — o que não é possível sem informação transparente e esclarecimento público. No Governo, nos partidos (bem a Iniciativa Liberal) ou na Presidência da República, alguém dará um murro na mesa? Esta opacidade na DGS não é tolerável.

Infelizmente, na vida política, tornou-se mais confortável tratar as pessoas como estúpidas, pelo que me parece vã a esperança de que Governo ou Presidência da República vejam algo de errado em tratar os cidadãos como gente limitada à qual não se deve esclarecimentos ou explicações. Porque esse é o procedimento padrão instituído em Portugal. E porque, neste caso em particular, a DGS decidiu no sentido que Governo e Presidência da República pretendiam.

O que nos leva ao segundo problema deste sigilo da DGS: a intromissão política. Durante as últimas duas semanas, tivemos membros do Governo, o Presidente da República e até a Dra. Graça Freitas na DGS a tomarem posições públicas a favor da vacinação das crianças a partir dos 5 anos. E isto não é um pequeno detalhe irrelevante. Ao pronunciarem-se antes de se conhecer a decisão da DGS, todos estes responsáveis políticos converteram as suas posições num exercício de condicionamento, com a força do Estado a cair sobre os ombros dos especialistas da CTVC. Na sua ponderação, estes especialistas não poderão ter ignorado a enorme pressão política a que foram sujeitos. Mas, terá esta tido efeito?

Não há resposta, mas há uma conclusão: a intromissão da política numa avaliação que é fundamentalmente técnica e científica feriu a credibilidade do processo aos olhos da população. E, assim, a DGS ficou sob suspeita de ser um mero instrumento político — afinal, após tanta pressão sobre os especialistas (incluído por parte da própria directora-geral da Saúde), teremos uma decisão política imposta sob forma de parecer técnico? Não sei se a suspeita é justa ou injusta. Só sei que, sem transparência, a desconfiança fica legitimada e envenena a confiança nas autoridades públicas. Por isso, no final, que este episódio da DGS sirva ao menos de lembrete: a Dra. Graça Freitas há muito tempo que deveria ter sido substituída na liderança da DGS, face a uma actuação que tem sido maioritariamente política, em vez de técnica.

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