Durante anos, a modernização de Portugal foi sugestivamente expressa pela ideia de “europeizar” o país, isto é, de o aproximar dos padrões de organização e das maneiras de ser da Europa ocidental. Nos primórdios da democracia, europeizar significou não apenas recusar a ditadura e a pobreza do passado, mas também a ditadura e a pobreza daqueles que, em vez da Europa ocidental, tinham como referência a Europa soviética ou as tiranias de folclore e de miséria do Terceiro Mundo. A decisão de Cavaco Silva sobre a adesão portuguesa à moeda única, na década de 1990, resume o sentido dessa “europeização”: tratava-se, num Estado e numa sociedade minadas por défices e por desvalorizações, de fazer da integração europeia um princípio de disciplina orçamental e o incentivo para desenvolver uma competitividade que não passasse simplesmente por salários baixos.

Sabemos que acabou por não ser assim. Em 1995, o poder caiu nas mãos dos actuais ministros, então ainda só secretários de Estado ou assessores e com menos parentes para empregar no Governo. A partir daí, a ideia de aumentar o bem estar no país através da criação de riqueza foi substituída pelo projecto de aumentar o poder do Estado através da apropriação e redistribuição dos recursos existentes. A atitude para com a integração europeia também mudou: já não era vista como um factor de mudança, mas antes como um meio de evitar mudanças. Foi neste novo contexto que o euro, a partir de 2000, serviu sobretudo para facilitar o endividamento do Estado e dos bancos e empresas na sua órbita. Assim pôde o regime compensar socialmente a estagnação que afectou a economia logo que, terminada o proteccionismo inflacionista e alfandegário, não se cuidou de melhorar a sua competitividade.

Em vez de “europeizar Portugal”, o poder socialista tem-se ocupado sobretudo  com fantasias de “portugalizar a Europa”, isto é, de reduzir a União Europeia a um mecanismo de redistribuição de rendimentos através do poder político. Nessa união de “apoios”, “transferências” e “mutualizações”, cada Estado funcionaria como uma espécie de federação nacional dos clientes e dependentes que, dentro das suas fronteiras, lutam entre si para disputar uma fatia do bolo do Estado e que, fora das fronteiras, lutariam juntos para obter uma fatia do bolo da UE. É esta inspiração que atravessa a entrevista de António Costa sobre a Europa, publicada no passado domingo. Costa faz doutrina sobre muitos temas. Mas a “questão do euro”, a reconciliação dos povos com a “globalização” ou a ideia de que a prosperidade dos países do norte é conseguida à custa dos países do sul são usadas em carrossel sempre para justificar esquemas de transvase de dinheiro. E como seria de esperar, toda a resistência a esse projecto é atribuída a uma “crise dos valores demo-liberais”. É verdade que, pelo meio, Costa fala de “reformas”. Mas para sugerir, se bem o entendi, que terá sido uma concessão mais ou menos simbólica à Alemanha, a fim de obter o que interessa: a “estabilização”, isto é, o financiamento europeu de sistemas demasiado inviáveis para resistir a conjunturas menos expansivas.

Eis a grande visão da oligarquia portuguesa: projectar na Europa, ou numa parte da Europa (necessariamente a parte mais rica), os seus arranjos de poder em Portugal. Esta Europa “portugalizada” funcionaria assim como o contexto em que, em Portugal, uma pequena clique instalada no Estado e cada vez mais fechada sobre si própria continuaria a alimentar as suas clientelas e a desfrutar o poder num país em declínio. Não está mal pensado, e as políticas do BCE, sem as quais os juros da dívida seriam pelo menos o dobro, têm alimentado a expectativa. Mas convém provavelmente que, para além de Mario Draghi, olhemos para os votos e as manifestações na Alemanha, na Itália e em França. Talvez sejam a escrita na parede deste palácio imaginário.

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