No dia 22 de Março, o jornal Observador teve a gentileza de publicar um texto meu intitulado “Lutaremos”. Nesse texto, em que defendi o confinamento para que o sistema de saúde português, como um todo, se pudesse organizar e fazer frente à pandemia, escrevi também: “Alguns temem que a declaração do estado de emergência poderá pôr em causa a democracia e a liberdade, que sob a desculpa de controlo da pandemia algum tipo de autoritarismo sobrará e se manterá depois do vírus. A esses respondo desta forma, talvez não conheçam este povo como julgam conhecer, quando o momento de guerra passar, saberemos agarrar a vida que deixámos suspensa, saberemos voltar a sair de casa, a encher esplanadas, teatros e salas de espectáculos, quando tudo acabar estaremos sedentos de vida e nada nem ninguém nos imporá limites ou ousará sequer coartar-nos a liberdade”.

Defendi o primeiro confinamento porque, talvez ingenuamente, acreditei que o governo merecia o benefício da dúvida, que aproveitaria aquele tempo para organizar uma resposta capaz à pandemia, uma resposta que passaria por equilibrar o apoio prestado a doentes covid e não covid, e que um plano desta envergadura precisaria de tempo para ser organizado, de forma a dar resposta a uma possível segunda vaga. Sejamos honestos, qualquer governo precisaria de tempo para estar preparado para o inverno que vamos viver.

Devo dizer que me enganei redondamente. O governo não aproveitou o tempo que decorreu desde o período de confinamento até agora para organizar um plano credível para fazer face à pandemia, desperdiçou todo o verão em que podia ter chamado os serviços de saúde dos sectores privado e social, a colaborar na prestação de cuidados de saúde a doentes covid e não covid, e estamos agora, às portas do inverno, já a bater records de infectados, internamentos e mortos, já para não falar no aumento da mortalidade que não pode ser explicado pela pandemia. O governo perdeu tempo, não a fazer aquilo que lhe competia, organizar os serviços de saúde, mas a atirar culpas para os outros, jovens, serviços privados de saúde e oposição. Por tudo isto, não há desculpa, não há desculpa que não se tenha aproveitado o anterior confinamento, que tanto sofrimento causou, nomeadamente em destruição de pequenos negócios, desemprego, aumento de pobreza e mesmo suicídio.

Aqui chegados, resta-nos a liberdade. E repito, talvez os nossos governantes não nos conheçam como julgam conhecer, acreditam que pelo medo nos vencem, julgam que nos atemorizam com imposições descabidas de “apps” obrigatórias, restrições de movimentos entre concelhos, que a única coisa que conseguiram foi criar um inferno a quem só queria chegar a casa depois de uma sexta-feira de trabalho, ou com ameaças de um novo confinamento, que não resolverá nada nesta altura e apenas servirá para no fim dizerem que tentaram tudo, nós é que não cumprimos.

Aqui chegados, resta-nos lutar novamente. Lutaremos pela liberdade, e contra medidas arbitrárias, desprovidas de objectivo e visão, que apenas pretendem fazer crer que aqueles que se lhes opõem são irresponsáveis ou negacionistas. Será cada vez mais difícil ao governo disfarçar a incompetência, a tendência será a fuga para a frente e o aumento, cada vez mais despropositado do uso do poder e da força. Um novo confinamento servirá apenas para escamotear aquilo que já não é possível esconder, falharam e, mais uma vez, nem pediram desculpa.

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