As eleições legislativas de 10 de março têm uma particularidade (entre muitas): vão ser disputadas por dois homens que não são exatamente as primeiras escolhas dos respetivos partidos. Pedro Nuno Santos conquistou a liderança do PS no sábado, cumprindo um sonho assumidamente antigo, e passou as 48 horas seguintes a responder sobre a sombra de António Costa. Com a mesma convicção de um homem que vai para a forca, veio dizer que tinha “muito orgulho” em ter estado ao lado de António Costa do “primeiro ao último dia” e sugerir que o seu antecessor pode ser candidato a tudo o que bem entender.
Luís Montenegro ganhou o PSD em 2022 e procurou, desde o início, ter a bênção de Pedro Passos Coelho. Com a mágoa de um deserdado e esmagado pelo peso da sombra, veio depois sugerir que o antigo primeiro-ministro era uma grande mais-valia para… o mundo académico. Uma parte substancial do PS preferia ter António Costa por muitos e bons anos; e uma fatia relevante do PSD esperava que as eleições europeias fossem tão más que tornassem inevitável o regresso de Pedro Passos Coelho. Mas as coisas são o que são e serão os ensombrados e não as sombras a disputar as próximas eleições.
Ainda assim, os dois, Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, chegam à antecâmara das legislativas em estágios diferentes. O primeiro, que vinha aproveitando o espaço de comentário na SIC para ensaiar um processo de demarcação progressiva face a Costa, deu meia volta, fez um boquet com as figuras ligadas à ala mais à direita do PS – Francisco Assis, Álvaro Beleza e Sérgio Sousa Pinto –, e passou uma campanha interna a jurar a pés juntos que não era radical, nem esquerdista. O segundo, que começou a sua liderança a posar ao lado de Pedro Passos Coelho na Festa do Pontal, foi esquecendo o antigo primeiro-ministro nos seus discursos e redescobriu a social-democracia ao lado de Aníbal Cavaco Silva, elevado a santo padroeiro deste PSD.
Por outras palavras, Pedro Nuno Santos, o maior desiludido com o fim da ‘geringonça’, aproxima-se daquilo que acha ser um trunfo eleitoral (António Costa); Luís Montenegro, uma espécie de ministro sem pasta do governo da troika, afasta-se daquilo que considera ser um ativo tóxico (Pedro Passos Coelho). Se o primeiro aproveita uma parte do seu primeiro discurso como líder para incensar a estratégia de contas certas de António Costa, o segundo dedica ‘o’ discurso do seu decisivo congresso à promessa de que vai continuar a aumentar pensões e à defesa do aumento do salário mínimo nacional.
As duas estratégias terão seguramente os seus méritos e até farão sentido do ponto de vista eleitoral. Mas têm também um evidente risco: de tanto correrem para a sombra (Pedro Nuno – Costa) ou de tanto fugirem dela (Montenegro – Passos) pode sobrar pouco espaço para defenderem as suas próprias convicções. Até ao momento, Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro limitaram-se a ser pouco mais do que versões alternativas de si próprios. Não é um grande cartão de visita: quem tenta ser aquilo que não é costuma ter dificuldade em convencer os outros. Por maioria de razão, fazê-lo numas eleições costuma ser meio caminho andado para o desastre.
Sem motivos para grande espanto, os dois têm-se ficado pelo acessório. Pedro Nuno Santos, ainda mal coroado como líder do PS, tirou logo do bolso o papão da troika e o susto da privatização do Estado social que o PSD, diz ele, representa. Luís Montenegro foi, divertidíssimo, para Castelo Paiva, sítio escolhido pela equipa do líder do PSD para lembrar o que o socialista lá disse, há mais de 12 anos, sobre os banqueiros alemães.
Em pouco mais de dois dias, Pedro Nuno Santos foi comparado a um líder de uma agremiação juvenil, com um “cadastro” que envergonha; Luís Montenegro, claro, foi associado a André Ventura e acusado de não ter experiência governativa, como se fosse uma espécie de pecado capital. É um pré-anúncio do que será a próxima campanha para as legislativas – e é uma verdadeira pena.
Em boa verdade, um dos dois resolverá o problema da sombra a 10 de março – chegar ao poder fará seguramente esse exorcismo por eles. Mas Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro poderiam começar por aproveitar esta campanha para convencerem os militantes e os eleitores de que não vale a pena suspirarem por outros, de que são tão ou mais válidos do que as sombras que os perseguem. Assim o queiram fazer.