1 No meio de uma crise pandémica, com uma planificação do ato eleitoral feita em cima do joelho (e apresentada apenas este domingo) e com um vencedor antecipado desde há muito — estas eleições presidenciais têm tudo para serem consideradas irrelevantes. Mas não o são — longe disso.
Do ponto de vista da direita podem mesmo ser fundamentais a médio-longo prazo para promover uma mudança de ciclo político. Não porque o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tenha a obrigação de liderar a oposição ao Governo de António Costa — um desvio claro das competências constitucionais do Chefe de Estado, como Mário Soares demonstrou entre 1991 e 1995 contra Cavaco Silva — mas porque esta campanha presidencial está a provar que há políticas alternativas ao modelo económico vigente que tem conduzido Portugal de regresso à cauda da Europa.
Por outro lado, o voto de protesto contra o regime vai agregar-se em redor de uma figura da direita radical. É a primeira vez que a extrema-esquerda perde aquele que tinha sido um exclusivo do PCP e do Bloco de Esquerda, passando André Ventura a ser um rival de peso para aqueles partidos. Será a confirmação de que o regime democrático português passou a ter os dois extremos do espectro político com representação eleitoral significativa, rompendo com a praxis política desde o 25 de Abril.
2 Marcelo Rebelo de Sousa será obviamente o grande vencedor. Tal como Jorge Sampaio e Cavaco Silva, será eleito pela segunda vez consecutiva à 1.ª volta. A prova de como a sua eleição é incontestável reside no facto de o seu adversário principal chamar-se abstenção — e não Ana Gomes ou André Ventura. Resta saber se o valor da abstenção será um recorde — superando o valor de 48,6% da segunda eleição de Cavaco Silva — e se isso afetará o seu resultado absoluto 2016: 2,4 milhões de votos.
Tal como aconteceu com Sampaio e Cavaco, uma eventual votação mais baixa na reeleição (quando comparada com a primeira eleição) não lhe retirará legitimidade política para exercer o seu segundo mandato. É da tradição que o novo mandato seja mais interventivo e Marcelo não fugirá a ela.
O importante é que Marcelo não siga as visões maximalistas de Soares e de Sampaio sobre os poderes presidenciais. Ninguém no centro-direita deseja que o Presidente fomente congressos da oposição (como Mário Soares) ou dissolva o Parlamento com argumentos de mau pagador para forçar legislativas antecipadas (como Jorge Sampaio). De todo em todo é esse o papel do Presidente da República.
Independentemente da dimensão da vitória de Marcelo, a sua eleição permitirá ao centro-direita igualar os resultados obtidos por Soares e Sampaio e obter a quarta vitória consecutiva — e sempre à primeira volta — nas presidenciais. Um facto histórico que não pode ser menosprezado.
3 O segundo vencedor pode vir a ser Tiago Mayan Gonçalves. Para começar — e é essa é a sua grande vitória — o candidato da Iniciativa Liberal (IL) conseguiu desmontar muitos dos mitos criados pela esquerda sobre o liberalismo. Nos debates com João Ferreira, Marisa Matias, Ana Gomes e até com Marcelo Rebelo de Sousa, Mayan Gonçalves foi eficaz a explicar que o liberalismo não quer abolir o Estado (isso é o anarquismo) e a defender as opções dos liberais para a economia, para o sistema fiscal e para setores fundamentais como a educação e a saúde.
Ao fim e ao cabo, o candidato da IL conseguiu demonstrar que a visão liberal pode ser uma das soluções para retirar Portugal da estrada do empobrecimento. Seja através da construção de um sistema fiscal que atraia investimento estrangeiro e liberte as famílias e as empresas da atual ditadura fiscal vigente no país, seja através da defesa da escolha individual na saúde e na educação que permita uma concorrência entre setor público e privado.
Apesar de não ter traquejo político nem ser detentor do dom da oratória, Mayan Gonçalves teve boas prestações que terão ajudado a consolidar a subida que está a ter nas sondagens. Se o candidato apoiado pela IL duplicar ou triplicar o resultado partido nas legislativas de 2019 (1,29%), isso significará um crescimento sustentado para aquele partido— muito mais se isso significar um aumento da cobertura nacional da IL e, acima de tudo, uma subida exponencial dos bons resultados obtidos em 2019 nos círculos de Lisboa e no Porto.
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André Ventura partia para os debates com uma alta expetativa sobre as suas prestações e isso acabou por jogar contra si. Com a exceção dos debates com Marisa Matias e Ana Gomes, Ventura perdeu em toda a linha. A derrota mais emblemática acabou por ser contra Marcelo, o típico político do sistema que silenciou o líder do Chega com mestria e inteligência política.
Mas as análises de comentadores e de jornalistas pouco interessam para os eleitores de Ventura. O que lhes interessa é ouvir o candidato da direita radical a perorar sobre as “vergonhas” do sistema, a atacar a comunidade cigana, a censurar a imigração ilegal e a falar das pessoas “de bem” contra os que “não trabalham”.
Na prática, André Ventura vai acabar com uma vaca sagrada da democracia portuguesa: o exclusivo do PCP e do Bloco de Esquerda em reunir o voto de protesto contra o sistema. Pela primeira vez, um candidato de um partido de direita radical vai conseguir agregar uma boa parte desse votos.
E aqui chegados não nos iludamos com duas questões:
- o voto em André Ventura é essencialmente um voto de vários protestos. Uns votarão contra o estado atual da direita — que não sabe fazer oposição a António Costa —, outros votarão contra a estagnação económica e outros ainda optarão por castigar a má gestão do Governo sobre a crise pandémica.
- O líder do Chega arrisca-se mesmo a ficar em segundo lugar, à frente de Ana Gomes. Há muito voto escondido que não diz aos inquiridos dos estudos de opinião se vai votar em Ventura por uma questão reputacional.
Mas mesmo que fique em terceiro lugar, atrás de Ana Gomes, isso poderá significar a multiplicação do seu resultado nas legislativas de 2019 por sete ou por oito pontos percentuais. E aqui é fundamental recordar que João Ferreira, Marisa Matias e Ana Gomes defenderam de uma forma ou outra a ilegalização do Chega — ou a opção por não dar posse a um Governo que vai contra ao Chega..
A ideia de que se consegue proibir um partido político legalizado pelo Tribunal Constitucional ou ignorar as centenas de milhares de votos que esse partido venha a recolher, é uma ideia tão perigosa para a democracia como são algumas das ideias de André Ventura.
Já para não do grande favor que fazem a Ventura ao oferecerem-lhe numa bandeira de prata a prenda da vitimização.
Resta saber se Ventura será um epifenómeno — que cresce muito depressa e cai abruptamente, como aconteceu com o PRD de Ramalho Eanes (1985-1991) e com o Partido da Solidariedade Nacional de Manuel Sérgio (1991-1995. Tendo em conta as características de André Ventura (populista e radical), e acima de tudo, o nível atual de descontentamento com o sistema político — muito superior ao que era nos anos 90, como a abstenção demonstra — o seu movimento pode durar mais tempo do que os dois acima referidos.
5 Quanto aos candidatos da esquerda e da esquerda radical, é muito difícil alguém sair vencedor destas eleições. Ana Gomes por exemplo, deve ficar muito longe dos 22,88% de Sampaio da Nóvoa — o que, tendo em conta a gestão da pandemia por causa do Governo do PS, não surpreende.
Marisa Matias cometeu um erro ao aceitar pela segunda vez consecutiva ser candidata presidencial. Se em 2016, Marisa conseguiu a soma de 10,1% dos votos (cerca de 469.582 votos), desta vez é muito complicado chegar a esse patamar. A eurodeputada quase que parece outra pessoa e se o mau resultado se confirmar, perde qualquer chance de candidatar à liderança política do Bloco.
Já João Ferreira apenas terá que demonstrar que vale mais do que os 3,95 % dos votos obtidos em 2016 pelo Edgar Silva. Se falhar nessa prova, é pouco provável que seja candidato à sucessão de Jerónimo de Sousa.
PS – Como muitos especialistas previram, a terceira vaga chegou este mês de janeiro. O Governo de António Costa optou por não colocar restrições na altura do Natal — pelo menos nas viagens entre os concelhos mais afetados. O resultado e as consequências do laxismo político estão à vista de todos e pela terceira vez estamos a correr atrás do prejuízo. Esperemos que o primeiro-ministro não tenha a brilhante ideia de culpar os portugueses pelo aumento dos novos casos, como se o Governo estivesse isento de responsabilidades.
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