A atual presidência portuguesa, que abrangerá um período compreendido entre 1 de janeiro e 30 de junho do ano corrente, tem na sua agenda, para além do ataque à atual pandemia que assola os países da União Europeia (UE), a continuação dos trabalhos iniciados durante a presidência que a antecedeu – a alemã –, trabalhos esses relacionados com uma nova estratégia de combate às drogas para 2021-25, visando a elaboração de futuros planos de ação.
O relatório de janeiro do Serviço Europeu de Polícia – Europol alerta para o aumento da violência associada ao crime organizado, o que constitui uma verdadeira ameaça à segurança pública da UE no seu conjunto.
A pandemia de Covid-19 tem assumido um impacto imediato no consumo de drogas, em tudo evidenciando as necessidades especiais dos que delas dependem. Por seu turno, e como seria de esperar, os bandos de crime organizado adotaram rapidamente um novo modus operandi, principalmente a nível retalhista, já que o comércio de rua, afetado pelas restrições à circulação que se conhecem, levou os consumidores e revendedores a deitar mão a imaginativas estratégias de compra e venda. Instalou-se a negociação online e as comunicações criptografadas, tais como o Telegram, o Wickr Me, o Signal, etc., etc.
Mercados online e plataformas de redes sociais da darknet, bem como serviços de entrega de encomendas ao domicílio, transações presenciais (cara a cara) e aquisições em metal sonante, tudo isso passou a ser substituído, conforme as quantias envolvidas, por pagamentos através de cartões bancários virtuais ou em criptomoeda.
Outra mudança na distribuição a retalho de estupefacientes tem-se verificado na opção dos dealers por algumas profissões discretas e honestas, a fim de se poderem movimentar em determinadas horas do dia ou da noite. Vários relatórios das polícias da Áustria, Finlândia, Itália, França, Bélgica, Holanda e Espanha revelam como os ditos dealers fazem uso de documentos profissionais falsificados, veículos comerciais e coletes de trabalho identificativos para se fazerem passar, nomeadamente, por insuspeitos estafetas de entrega de refeições ao domicílio.
A maioria dos países da UE impôs restrições transfronteiriças, mas o tráfico de drogas continua inexorável e impunemente a fazer-se, tornando praticamente residual o número de apreensões efetuadas. Razões que tal justifiquem serão muitas, mas a menor das quais não é certamente a recolocação das forças operacionais de combate a esse flagelo físico, psicológico e moral noutras áreas e funções, reduzindo desse modo à ineficácia dos tão necessários quanto determinantes trabalhos de investigação e inteligência sobre o crime organizado.
Estudos concernentes à monitorização do tráfico de drogas sugerem que, ao nível grossista, a sua circulação por transporte aéreo de passageiros tem diminuído, ao passo que, por via marítima, ela se situa a níveis pré-pandémicos. A produção de estupefacientes sintéticos e a plantação de canábis na Europa também não parecem ter sido seriamente afetadas.
Ora bem, para a Europol, o negócio europeu de estupefacientes, não obstante a pandemia, continua a gerar lucros enormes e tudo isso devido ao afrouxamento da atividade investigatória por parte dos órgãos de polícia competentes. Daí resulta o perigo evidente dos traficantes saírem da atual situação pandémica com elevadíssimos lucros financeiros para investirem no imobiliário e na construção, ambos setores muito atrativos para os branqueadores de capitais, com fácil justificação para a movimentação de dinheiro ou de produtos financeiros, designadamente ações, obrigações, fundos negociados em bolsa (ETFs) e fundos de investimento. Além, claro está, de investimentos em obras de arte, devido a inexistente fiscalização e à ausência de preços fixos das mesmas.
Outros lados do negócio que os traficantes bem sabem aproveitar são as dificuldades económicas dos vendedores ou dos agentes que saltam as barreiras da legislação para aceitarem transações e se envolverem em práticas ilegais, especialmente quando os ditos traficantes e neo-milionários são os únicos com acesso fácil ao dinheiro.
No meio desta luta internacional contra os estupefacientes surgem paradoxos legislativos, como o atual Código Mundial Antidopagem, que entrou em vigor no passado dia 1 de janeiro e despenalizou as chamadas drogas recreativas, tais como a cocaína, a canábis, o ecstasy e a heroína, as quais passam a ser consideradas “substâncias de excessos” não dopantes.
Com efeito, o artigo 10.º n.º 2 do referido Código “estipula uma sanção de inabilitação desportiva” para um período de três meses quando o desportista demonstre que a ingestão da substância proibida ocorreu fora da competição e não tem relação com o rendimento desportivo. Porém, o desportista pode ver a sanção reduzida para um mês se demonstrar que se submeteu com sucesso a um programa contra o uso indevido de substâncias.
Vivemos tempos confusos, a droga alimenta a violência, modifica comportamentos, financia organizações criminosas e desmoraliza nações. Mas no desporto, vamos perdoar tais excessos? Haja paciência para tanta capitulação!