1 No próximo domingo, 10 de Março, teremos as eleições parlamentares. Venho acompanhando com interesse os intensos debates da campanha eleitoral. E venho também acompanhando as inúmeras críticas, em grande parte justificadas, à superficialidade de boa parte desses debates – sobretudo à quase total ausência de referências à muito preocupante situação internacional e seu impacto na União Europeia e na NATO.

Paradoxalmente, porém, não desejo acrescentar a minha voz às, inteiramente legítimas, críticas à superficialidade dos debates.

2 Pelo contrário, gostaria enfaticamente de juntar a minha voz aos que têm sublinhado a crucial importância do pluralismo do debate democrático que temos tido, graças ao regime democrático em que vivemos nos últimos 50 anos –  “O ‘Regime’, esse eterno mal-amado”, como lhe chamou Pedro Norton num excelente artigo no Público de 27 de Fevereiro.

Subscrevo mais do que inteiramente esse texto de Pedro Norton. E, uma vez que estou a citá-lo, julgo estar autorizado a reproduzir alguns dos seus argumentos fundamentais.

3 Pedro Norton sublinha pelo menos três características fundamentais do nosso regime democrático que são em regra menosprezados, quando não mesmo atacados, pelos chamados “críticos do sistema” – em regra, acrescento eu, associados aos populismos da direita radical e/ou da esquerda radical.

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Em primeiro lugar, a democracia – que “assenta na ideia radicalmente inovadora de fazer de cada um de nós um soberano, com poderes e dignidade iguais na hora de fazer as escolhas decisivas para o nosso futuro coletivo”.

Em segundo lugar, a dimensão liberal. “Mas, ao contrário do que alguns gostam de fazer crer, o regime é mais do que simplesmente democrático. É também liberal, no sentido político do termo. Assenta na ideia de que temos direitos fundamentais e inalienáveis que nenhuma maioria (ou ruidosa minoria) pode pôr em causa.”

Em terceiro lugar, a dimensão capitalista, a qual “é compatível com abordagens socialistas, sociais-democratas ou neo-liberais”, mas supõe um reduto fundamental de direito à propriedade privada.

Finalmente, o autor recorda que a defesa deste regime demo-liberal supõe a “inclusão numa ampla constelação de alianças políticas, económicas e de segurança baseadas na mesma visão partilhada de valores fundamentais” — no centro das quais coloca a União Europeia e “o ethos europeu fundado na defesa da democracia e dos direitos humanos”.

4 O argumento de Pedro Norton não tem ‘apenas’ relevância nacional. Assume vincada dimensão internacional numa altura em que assistimos ao crescimento feroz da hostilidade – intelectual, política, e até militar – contra a democracia liberal. Contra a democracia liberal, vale a pena sublinhar, que saiu vitoriosa na II Guerra Mundial sobre o nazi-fascismo, em 1945, e reafirmou essa vitória com a queda do Muro de Berlim comunista, em 1989.

Esta crucial dimensão internacional do argumento de Pedro Norton é enfaticamente ilustrada pelo poderoso artigo de Francis Fukuyama no mais recente FTWeekend (de 2/3 de Março, p. 9). O título do artigo faz manchete de primeira página do jornal: “It’s time to reverse America’s political decay”.

5 Acontece que aquilo que Fukuyama designa por “decadência política da América” reside precisamente no declínio da ancestral confiança americana nos ideais da democracia liberal, tão bem recordados por Pedro Norton.

Fukuyama recorda que a democracia liberal era associada pelos americanos – basicamente desde a fundação da República, em 1776 – a uma espécie de “excepcionalismo americano”, que poderia ser “uma inspiração para os povos oprimidos por ditaduras por esse mundo fora”.

Esta convicção democrática costumava ser particularmente marcante entre os Republicanos/conservadores, ainda que também largamente partilhada pelos Democratas/liberais (onde, apesar de tudo, era mais frequente encontrar algumas franjas radicais de crítica ao “excepcionalismo americano”).

E é aqui que Fukuyama detecta a fundamental e muito preocupante transformação recente nas fileiras Republicanas/conservadoras do sr. Trump:

“A confiança na democracia americana tem sido substituída pela admiração por homens fortes e governos autoritários no estrangeiro. Trump elogia Xi Jinping da China e Kim Jong Um na Coreia do Norte [para já não falar de Vladimir Putin na Rússia], pelo facto de governarem os seus povos com mão de ferro”.

Fukuyama prossegue recordando que “esta migração do anti-americanismo da esquerda para a direita na América” terá consequências muito graves na cena internacional, designadamente no que diz respeito à NATO e à aliança euro-atlântica — que estão no centro da defesa das democracias liberais.

E conclui sublinhando a importância crucial de recordar e reafirmar as virtudes da democracia liberal – basicamente as mesmas virtudes que foram recordadas no texto de Pedro Norton.

6 Em suma, gostaria de concluir recordando as virtudes da democracia liberal, contra o populismo dos chamados “críticos do regime” – venham eles da direita radical ou/e da esquerda radical. Como gostava de repetir o democrata-liberal-conservador (e, ainda por cima, monárquico) Winston Churchill, “a democracia é o pior regime, com excepção de todos os outros.”

Votemos pois em liberdade, no próximo domingo, celebrando a Festa da Democracia.