A irritação do Governo com a OCDE foi divulgada pelo Expresso (para assinantes). A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) faz, a cada dois anos, um relatório sobre os seus estado-membros. Este é o ano de Portugal. Como se sabe há décadas, os temas do relatório são escolhidos em conjunto pela Organização e o Governo da altura. Desta vez alguma coisa correu mal ou o Governo nunca pensou que um dos temas com que concordou acabasse por tocar no problema da corrupção.
Na perspectiva do Executivo, não existem razões para dar atenção ao tema da corrupção. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva afirmou que “se o relatório fosse transformado numa simples listagem de ideias feitas, percepções, estereótipos, seria muito errado e Portugal teria de protestar”. (Pode ler-se aqui). A imagem do país seria afectada.
Se o objectivo foi evitar que a imagem do país fosse afectada, o protesto tornado público obteve o efeito contrário. A associação Transparência e Integridade, pela voz do seu presidente João Paulo Batalha, já enviou uma carta ao ministro Augusto Santos Silva. Nas declarações que faz ao Expresso afirma que “o arrufo do Governo com a OCDE é mais próprio de regimes autoritários do que de democracia aberta”. Que efeitos terá esta actuação no ranking da Transparência Internacional mais tarde saberemos.
A Transparência Internacional é responsável por um dos mais importantes índices sobre percepção de corrupção, o último dos quais publicado há cerca de um ano. Pode-se criticá-lo, dizer que são “percepções” não são factos, mas é este um dos índices usado quando se quer olhar para a corrupção por países.
Portugal nem está mal posicionado. Em 2018 ocupava a 29.ª posição e num conjunto de 180 países e era o melhor do grupo dos países do Sul da Europa. O pior é a Grécia (59.ª), o mais próximo de nós é a Espanha (42.ª posição) e a Itália tem o lugar intermédio (54.ª). Claro que quando comparado com a Europa Ocidental, a situação não é tão favorável.
É na ligação dos crimes de corrupção com a justiça que o problema é mais grave. Num relatório de 2012, a Transparência Internacional diz que Portugal, tal como a Grécia, Espanha e Itália, tem “sérios défices na responsabilização do sector público e problemas profundos de ineficiências, más práticas e corrupção, que não são suficientemente controladas e punidas”. E estávamos em 2012. Entretanto decorreu a Operação Marquês e o colapso do BES, com os processos que se conhecem sob investigação ou em fase de acusação. E o caso de Armando Vara no processo Face Oculta que, depois de esgotados todos os recursos, ainda assistimos ao arrastar da detenção desde 12 de Dezembro.
Evitando a todo o custo estereótipos e percepções, é impossível dizer que a corrupção não é um problema em Portugal. O maior banqueiro do país Ricardo Salgado escondeu perdas e o seu banco acabou falido e suportado pelos contribuintes. Um ex-primeiro-ministro é suspeito de corrupção e um ex-ministro da Economia Manuel Pinho recebia todos os meses uma transferência do BES enquanto estava no Governo. Está alguém já a ser julgado? Já nem se diz preso, mas julgado.
Mais grave ainda é continuarmos a assistir às mais diversas manobras que, se não são, parecem tentar branquear o que se passou. O ataque ao juiz Carlos Alexandre é uma dessas manobras protagonizada por Armando Vara. Como se fosse possível alguém ser condenado, com a sentença confirmada pelos quase infinitos recursos que a nossa lei permite, por causa do juiz de instrução. Sim, Carlos Alexandre cometeu erros quando fez algumas declarações públicas, mas daí a pôr em causa o trabalho que fez vai um passo de gigante.
A tentativa de controlo do Ministério Público e a sua falta de meios são outras das vias que, se não são, parecem ter como objectivo dificultar a investigação e a acusação de crimes de colarinho branco. Dar a entender que este é do PS o outro do PSD aqueloutro do PCP ou do BE para descredibilizar a justiça é outro dos caminhos que por vezes se segue. O quadro legal tem de ser imune a essas tendências e não, não é ingenuidade, considerar que isso é possível.
Os indicadores de corrupção dizem até muito pouco sobre a ineficácia do sistema, sobre o seu excesso de garantismo. É impossível a um leigo entender como podem os processos arrastarem-se por tanto tempo. Se ao mau funcionamento da aplicação da lei juntarmos a más práticas e o desprezo por princípios éticos básicos estaremos a olhar para uma autêntica casa de horrores.
A corrupção, a degradação ética e o mau funcionamento da justiça têm custos económicos e financeiros. Mas hoje enfrentamos um problema ainda mais grave do que esse. Constituem uma séria ameaça à democracia pela descrença que geram nos cidadãos eleitores. Com um panorama destes, devíamos era estar agradecidos à OCDE por estudar o tema e propor soluções que nos permitam ser mais eficazes no combate à corrupção.