Formar um jovem é, acima de tudo, dotá-lo de “skills” que o façam ser um cidadão ativo na sociedade. Indo além dos conteúdos programáticos, e pensando a Escola e a Comunidade de forma holística, agarrei na disciplina Cidadania e Desenvolvimento, com os meus conhecimentos em História e em Geografia, e fiz com que os meus alunos pensassem fora da caixa. São estes projetos que abraço e acarinho, tanto artísticos como cívicos, que fazem a diferença na vida futura dos alunos. De um Drama Club, ver alunos a seguir a carreira artística, que não tinham confiança em si mesmos ou sofriam de bullying, e que, com as “loucuras teatrais e musicais”, já não têm medo de enfrentar o público; ou de criar uma ONG, e verificar que atuam efetivamente na sociedade civil, com um brilho nos olhos quando sentem que estão a ajudar o próximo, trabalhando em equipa com os colegas.

Partindo desta premissa de fazer com que os meus alunos sejam sujeitos ativos na sociedade, deparei-me com duas questões a resolver, nomeadamente: a abrangência dos domínios/temas presentes no programa desta nova disciplina; e como fazer com que esta disciplina fosse verdadeiramente prática, não sendo mais um tempo no horário dos alunos ocupado com teorias e ideias de outrem.

Tendo definido no seu programa critérios que visam o trabalho cooperativo, promovendo o relacionamento interpessoal e sócio-intercultural, pareceu-me evidente criar um projeto que unisse os alunos e os levasse mais além, no fundo, que lhes fizesse sentido.

Numa conversa de café com a minha melhor amiga, que já trabalhou para ONG’s pelo mundo fora, tendo estado vários anos na parte muçulmana da Nigéria ou em Madagáscar, a ideia acabou por surgir. Partindo do seu exemplo, pensei em como seria profícuo que os meus alunos tivessem a oportunidade de explorar e descobrir por si as dificuldades que outras pessoas do Mundo, no seu tempo, passam, e que pudessem agradecer pelo mundo que temos.

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A ideia seria colocar os alunos a criarem a sua própria ONG, tendo também como finalidade estabelecer ações cívicas na comunidade envolvente. E ali, numa conversa de café muito informal, nasce este projeto.

Por mais fictícias que sejam, e sem presunção de as tornar reais, “Cria a Própria ONG” acaba por conseguir cumprir com todos os temas da Cidadania e Desenvolvimento, desafiando cada grupo a tocar em todos os domínios da disciplina.

Inicialmente, é atribuído a cada grupo um tema que devem desenvolver. De seguida, dotamos o projeto de uma dinâmica empresarial e de empreendedorismo em que os alunos definem o nome da sua ONG, desenvolvem um logótipo alusivo ao tema e à causa a tratar, e criam um slogan que seja cativante e demonstrativo dos fundamentos a trabalhar.

Criada a estrutura inicial da ONG, conduzimos os discentes a dar-lhe “corpo”, com cabeça, tronco e membros, isto é, valores, missões e objetivos, respetivamente. Aliando as novas plataformas e sendo uma geração mais familiarizada com as novas tecnologias, pedimos-lhes que, como trabalho final e evidência factual, elaborem um Cartaz/Poster de apresentação da sua ONG e o divulguem. Nesta fase, já estão a meio caminho.

Com as ONGs teoricamente criadas, e de modo a envolver toda a comunidade educativa, é tempo de definirem as suas campanhas. Esta tem de ser definida através de medidas específicas e práticas, segundo os objetivos anteriormente expostos. Nesta altura, os alunos são incitados (ensinando-lhes a enviar um e-mail formal) a entrar em contacto com instituições, empresas ou outras ONG’s que trabalhem o tema de campanha que estão a desenvolver.

Uma das mais-valias deste projeto é a simplificação do trabalho para o docente, que somente tem de “distribuir jogo”, conduzindo-os a realizar brainstorms, contactos com outras instituições e medidas que, mesmo que sejam fictícias, tenham praticabilidade na sociedade. Assumo que, por vezes, é complicado discernir com os alunos a diferença entre um objetivo e uma missão, ou um objetivo e uma medida. Contudo, é muito gratificante ver o brilho nos seus olhos quando constatam que as suas ideias começam a ganhar forma e algumas instituições, como a APAV ou a rede Ex Aequo, se disponibilizam para conversar e lhes abrem as portas.

O projeto já foi aplicado por outros colegas meus nas suas turmas. Uma adaptabilidade e uma versatilidade do projeto que espelham efetivamente como os alunos podem ser ativos na sociedade, que lhes abre a porta para o mundo, para a realidade, e que lhes mostra como podem fazer a diferença na construção de um mundo melhor.

Sendo professor contratado, verifico a aplicação do “Cria a Própria ONG” nas deambulações entre diferentes escolas e ambientes educacionais, desde escolas TEIP ao ensino privado, internacional ou público, regular e profissional. E vou sentindo o Mundo e como se pode fazer diferença, acreditando numa Escola Democrática, Humanista, Artística e ativamente Cívica.

Professor de História, História de Arte, Geografia e Cidadania e Desenvolvimento. Finalista do Global Teacher Prize Portugal 2023

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.