Há uma semana, escrevi que este é o primeiro-ministro com mais poder desde 1974, e algumas pessoas estranharam. Como assim? Um governo em minoria na Assembleia da República?

Bem, para começar, este é um falso governo minoritário. Porque como se tem visto, nem que Lenine volte à terra lhe faltarão os votos e abstenções do PCP e do BE, incluindo para os milhões do Novo Banco. Mas deixemos as aritméticas parlamentares. Costa não enfrentou ou enfrenta, nem de longe nem de perto, as resistências políticas que desgastaram governos de maioria absoluta. A AD tropeçou em Eanes, no Conselho da Revolução, e nas greves gerais da CGTP. Cavaco Silva teve de lidar com Mário Soares, o Procurador Geral da República, o Independente, a SIC e a TSF. José Sócrates queixava-se de Cavaco Silva, da TVI, da Fenprof e, apesar dos seus guarda-costas na magistratura, até de alguns juízes.

António Costa queixa-se do quê, enfrenta quem? O presidente da república? Integra a “equipa”. O PCP e a extrema-esquerda? Pela primeira vez desde 1975, apoiam um governo. O suposto líder da oposição? Também Rui Rio deseja cooperar. Os juízes? Acabaram as investigações a políticos. A imprensa? Os subsídios chegaram esta semana. Não foi por acaso que o governo passou por cativações, quebras do investimento público, Pedrogão, Tancos, toda a espécie de trapalhadas, e agora a quarentena, sem greves gerais, manifestações ou “grândoladas”. Nenhum governo, alguma vez, deve ter receado menos as manchetes dos jornais ou a abertura dos noticiários televisivos.

O poder de Costa, porém, não é feito de força. Não tem por si uma grande vitória eleitoral, ou um programa que tenha entusiasmado o país. O seu poder é feito de algo que, por vezes, vale mais do que a força própria: a fraqueza dos outros. Perante o governo, está um longo estendal de falências. O PCP declina, e o BE falhou a oportunidade de ser um Syriza. O PSD e o CDS ainda não descobriram como expiar a culpa de terem salvo o país. Os pequenos partidos continuam a ser pequenos partidos. As grandes instituições, das forças armadas à igreja católica, podem ser ignoradas, como se viu, a respeito da igreja, no cerco a Fátima.

Este é o mesmo PS desmoralizado pelo fiasco de Guterres e pelo escândalo de Sócrates. Mas ocupa a única posição de poder que existe agora em Portugal: o Estado. Um Estado que, graças ao BCE, tem os meios que faltam a uma sociedade envelhecida e endividada. Outros governos, no passado, ainda tiveram de encarar algumas forças autónomas, mantidas pela tradição ou criadas por fases de prosperidade. O poder de António Costa é o da fraqueza gerada, desde 1995, por anos e anos de governos socialistas. O euro, em que Cavaco Silva apostou para provocar reformas, permitiu aos socialistas resistir a essas reformas, o que trouxe vinte anos de marasmo económico e de desequilíbrios financeiros. Isso mesmo, porém, ajudou o governo de um Estado falido a emergir, graças ao BCE, como a grande fonte de subsídios e de protecções numa sociedade cada vez mais fragilizada e assustada. Geralmente, imagina-se que o poder de um governo é  feito de sucesso e prosperidade. Mas o fracasso e a estagnação geram por vezes um poder ainda maior. Eis o poder de António Costa: o poder das nossas decepções, do nosso cepticismo, do nosso medo, da nossa desistência.

Hoje, a abstenção é a escolha de mais de 50% dos eleitores portugueses: eis mais uma fraqueza do regime que se tornou uma força de António Costa. Sim, ninguém teve este poder desde 1974. Sócrates sonhou com tudo isto, mas, como Moisés, não chegou à terra prometida, onde os seus antigos correligionários imperam agora.

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