Celebrou-se dia 6 de Junho o octogésimo aniversário do Dia D, a maior invasão anfíbia da história, que ocorreu nas praias da Normandia e viria a marcar o início do fim do domínio nazi sobre a Europa. Foi bem escolhida, a Normandia, que se os Aliados têm escolhido, em pleno mês de Junho, a Costa da Caparica, ainda hoje havia tropas a tentar chegar a terra firme, entre slaloms para contornar as toalhas da multidão de banhistas.

Optando pelo norte de França, os militares dos países Aliados, fazendo o derradeiro sacrifício de abdicar do visionamento de um ou outro corpo mais voluptuoso e de, por certo, inúmeras panças felpudas, livraram-nos com maior rapidez da obrigatoriedade de nos deslocarmos na via pública em passo de ganso. O que seria, estou certo, péssimo para estiramentos ao nível dos isquiotibiais (é irem ver ao Google, como eu fiz).

A verdade é que, mesmo tendo despachado o Hitler vai para oito décadas, antecipo que para a semana já seja obrigatório, em todo o espaço Schengen, vestir Hugo Boss, conduzir Volkswagens e ostentar apenas o terço central do que seria, em condições normais, um vulgar bigode (e, não, as senhoras não estão dispensadas de cumprir este preceito). Pelo menos foi esta a ideia com que fiquei ao ver as reacções da comunicação social aos resultados das eleições europeias em boa parte dos países da União. Vem aí um Quarto Reich que fará o Terceiro Reich parecer o Sétimo Céu!

Em Portugal, nem tanto. Talvez em honra do primeiro dia pós-eleições europeias ter sido o Dia de Camões, por cá não se conseguiu ver grande coisa em termos de avanço do nazismo. Quer dizer, houve confrontos em Lisboa entre nacionalistas e antifascistas. Se por “confronto” entendermos “um intervalo grande da manhã numa qualquer escola secundária dos arredores de Lisboa”. O espectáculo deixou algo a desejar, também porque deu ideia dos neonazis caberem todos num Volkswagen carocha. Ou num Pão de Forma, talvez. Daqueles familiares, tipo Bimbo.

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Os antifascistas eram mais. Ou, pelo menos, pareciam mais. Pode ter sido ilusão de óptica. É que a comunicação social chama-lhes “antifascistas”, mas eu só vejo é “neocomunistas”. Pode portanto tratar-se de um daqueles casos delicados de dupla personalidade. Porque, em teoria, se o antifascista apanha o neocomunista vai tudo a eito com as mesmas ganas com que iria o neonazi. Enfim, talvez seja por isso que os “antifascistas” parecem a dobrar.

Mas foi pena, antifascistas e nacionalistas não terem aproveitado para conversar um bocadinho, com calma, como gente civilizada que às vezes se manifesta. Ou muito me engano, ou mais rápido do que o diabo esfrega um olho todos concordavam que os judeus são filhos de satã. Satã que esfregaria os olhos precisamente por não acreditar estar a ver bem – para mais no Dia de Camões – de quanta malvadeza são capazes os seus progénitos. Perdeu-se uma estupenda oportunidade de profícuo intercâmbio cultural, foi o que foi.

Segunda-feira, dia 10, foi também Dia das Comunidades Portugueses. Data assinalada, com enorme pesar, por várias destas comunidades na Bélgica, pela eventual futura vizinhança de António Costa no Conselho Europeu. Como é óbvio, está intocada, a habilidade política de António Costa. Mal deixou o cargo de primeiro-ministro, que o obrigava, por razões de Estado, claro, a não perder um minuto de um Sevilha-Roma em Budapeste, Costa tratou, imediatamente, de tentar este lugar na Europa. Logo agora que o europeu de futebol está prestes a arrancar. Trata-se de um ponta de lança com mais faro para cargos que dão bilhetes para a bola do que um Jack Russell, no círculo central, para uma baliza cheia de Royal Canin. O engenheiro Guterres não se ponha a pau, não, que o Costa fana-lhe o lugar de panfletário-geral de infernos climáticos da ONU, só para não perder pitada do Mundial de 2026 nos EUA, Canadá e México.

Nesta corrida à liderança do Conselho Europeu, Costa conta com o apoio do primeiro-ministro, Luís Montenegro, e do governo, mas mais ainda com a sua experiência profissional. Ele é um dos favoritos à vitória, porque poucos políticos conhecem tão bem os corredores da União Europeia com o nosso ex-primeiro-ministro. É certo que ninguém percorre tão depressa como ele o caminho entre o anfiteatro onde, há três anos, recebeu o cheque de Ursula von der Leyen e a agência bancária mais próxima.