Os grandoleiros já não grandolam.
O BE revela um enorme potencial para o mercado imobiliário que prontamente passou a designar-se actividade pela fixação de população no interior desertificado. E como se sabe a culpa da desertificação é do Estado Novo e do eucalipto.
Os esfomeados tornaram-se obesos.
Os pais que, preocupados com o futuro dos filhos, alteram a morada fiscal para os matricularem numa escola pública que consideram melhor têm os seus dados pessoais mais vasculhados que os pais acusados de maltratar os filhos.
Os defensores do SNS tratam-se no privado.
Os reformados indignados abandonaram as indignações e nem o desbaratar em aventuras imobiliárias do Fundo de Estabilização da Segurança Social os faz acordar do seu torpor pois, desde que o Trump chegou à presidência dos EUA, as alterações climáticas agravaram-se, logo sair de casa para uma manifestação é um risco para a saúde (e para a manutenção do efeito da laca nas permanentes).
As senhoras cor-de-rosa já não fazem perguntas a quem governa.
Os comboios da CP quase não andam mas isso agora chama-se a defesa do serviço público porque, como qualquer pessoa bem informada percebe, se os comboios andassem mais desgastavam-se e aí acabava-se o serviço público, caíamos nas garras dos privados e tornávamo-nos escravos do capital. (E quiçá utentes de comboios um pouco melhores!)
Os cantores cinquentões já não querem voltar para os braços da sua mãe, simplesmente não saem de casa dos pais porque, sozinhos, coitados, não conseguem pagar a renda da casa.
Já ninguém morre ou nasce nas ambulâncias nem se colhem flores para colocar no gradeamento da Maternidade Alfredo da Costa onde as equipas se demitem por falta de recursos. (Obviamente a culpa pela falta de recursos deixou de ser do Governo e passou a ser das equipas que não conseguiram fazer nascer bebés e dinheiro com as energias positivas libertas pelos cidadãos em 2012 quando gritavam que “não pode fechar um espaço onde nasceu gente”).
No prédio de Ricardo Robles os graffitis deixaram de ser arte urbana e tornaram-se vandalismo.
Os resultados escolares estão a piorar mas isso não é uma pioria mas sim uma melhoria pois desse modo caminha-se para a igualdade: os bons deixam de ser bons, os maus passam a medíocres e no fim os alunos são todos iguais. O que é um indesmentível progresso.
Os indignados já não acampam.
Os contribuintes portugueses estão gratos por serem accionistas da CGD pois não fosse os seus impostos serem chamados a caucionar o banco público e jamais participariam em experiências estéticas como a vida parisiense de José Sócrates ou em actividades solidárias como são os empréstimos de 500 mil euros a quem declara ganhar 21 mil por ano.
A culpa de tudo o que de mal acontece à esquerda como sempre é da Cabala essa irmã gémea da Urdidura. A Cabala e a Urdidura são filhas da Direita Raivosa. Já o pai tem dias.
Como recentemente se viu no areal de Carcavelos a aposta na disciplina de Educação para a Cidadania tem conseguido resultados notáveis. Notabilíssimos, até. É de destacar como tanta actividade e tanto activista resultaram no desenvolvimento entre os jovens de uma extraordinária capacidade de resolução pacífica das situações conflituais. De realçar também como a aposta nas questões de género levou ao abandono de comportamentos agressivos entre os juvenis do género masculino, atitude na sua civilidade absolutamente contrastante com as atitudes do mesmo grupo na sociedade heteropatriarcal que os estigmatizava como rapazes mal educados.
Os pais já não choram no aeroporto porque os filhos emigram. Os filhos continuam a emigrar mas agora a culpa é da globalização.
O Chefe do Estado Maior do Exército ( CEME) não entrega ao parlamento a lista do material roubado em Tancos. O mesmíssimo material de que o ministro da Defesa dizia que “No limite, pode não ter havido furto nenhum” mas que afinal até acabou a ser devolvido com uma caixa a mais (os ladrões fizeram promoções nesse dia). Veio depois a descobrir-se que afinal não havia uma caixa a mais mas algumas caixas a menos (já não há ladrões com honra!) Para quem não perceba relembro que estou a falar de armamento e não de jambés. Mas certamente que o nosso CEME e o ministro da Defesa tratam de todo este caso com um pensamento estratégico: se tratarmos o material militar como se fossem jambés e as Forças Armadas como se se tratasse de um grupo de tocadores dos ditos jambés estamos enquanto país para mais fundador da NATO a dar um contributo único no mundo para um novo entendimento do conceito de segurança nacional.
O Artur Batista da Silva já não dá entrevistas e o Fernando Tordo já regressou.
O Presidente da República às segundas, sextas e domingos, por esta ordem, pede, exige e aguarda por esclarecimentos cabais, relatórios integrais e explicações detalhadas sobre casos que noutros tempos e com outros governos seriam tratados como escândalos. Às terças, quintas e sábados o Presidente, por esta ou outra qualquer ordem, canta, faz selfies e dança. Às quartas faz declarações off record de modo a marcar os noticiários do fim de semana e a vida interna do seu partido. Mas felizmente nada disto é populismo mas sim política dos afectos.
Para espelhar este novo estado de ser nacional proponho que se deixe de utilizar o castelo de Guimarães ou a Torre de Belém para simbolizar Portugal. O que nos representa neste momento é o Festival Boom. Aquele em que a GNR detém traficantes; o Ministério da Saúde avalia a qualidade e pureza da droga (provavelmente vendida pelos traficantes detidos pela GNR) antes de ser consumida e os organizadores do festival prometem recorrer “a todos os meios que a lei coloca à disposição dos cidadãos para combater a actuação preconceituosa, parcial e abusiva em relação ao Boom Festival por parte das autoridades e da comunicação social“. E estão todos eles cheios de razão porque, como o país neste momento prova à evidência, o que conta não é a realidade mas sim as notícias que sobre ela são feitas.
Em resumo, não fossem os a Descobrimentos, as palhinhas nos sumos e o Trump nem tínhamos nada com que nos preocupar.