Com mais de 1,1 milhões de infectados por Covid-19 e já para além das 100 mil mortes e de uma depressão económica na União Europeia que poderá atingir os 2,5% do PIB conjunto, a Europa atravessa não só a sua maior crise desde o final da II Guerra como se vê na contingência de coexistir com a pandemia e todos os seus efeitos por tempo indeterminado, sem certezas de que esta não seja a primeira das várias vagas pandémicas que se seguirão. Apesar da indescritível personagem que os norte-americanos elegeram para a Casa Branca, o ainda grande aliado europeu afunda-se na surpresa com que os poderes públicos abordaram a pandemia: 73 mil casos identificados e mais de 37 mil falecidos é o balanço mais recente à dada em que escrevo. O Reino Unido, acabado de sair da UE, debate-se com níveis de prejuízos humanos e económicos, podendo o PIB cair 30% na primeira metade do ano.

Dentro da UE, as instituições europeias reagiram tardiamente, descoordenadas e hesitantes, é certo. Porém, a Comissão Europeia iniciou, após os primeiros passos do Eurogrupo e do Banco Central Europeu em Março, um processo de consultas do qual veio a resultar um “pooling” de fundos, anunciado a 1 de Abril pela presidente da Comissão Der Leyen. As medidas passam pela injecção de apoios de emergência directos nas economias europeias a partir do orçamento da UE, dotação de um fundo de garantia pan-europeu gerido pelo Banco Europeu de Investimento, de um fundo de recuperação (dirigido sobretudo à recuperação do emprego) e pela flexibilização de regras orçamentais, suspendendo o teto de 3% de défice orçamental. O aumento do plano orçamental 2021-2027 deverá igualmente implicar um aumento significativo de verbas para a economia – eventualmente superando 1% do PIB europeu.

Não fosse Portugal membro da UE e onde estaríamos hoje com uma recessão em 2020 de um mínimo de 8% do PIB?

As tragédias nacionais de diversos dos membros da UE têm mobilizado analistas e políticos, vários dos quais do grupo do PPE no parlamento europeu, com intervenções públicas que reflectem sobre as últimas semanas da “concertação” europeia, sobre as novas políticas comuns e sobre os efeitos políticos na Europa que um eventual desacerto poderá provocar entre os cidadãos, contribuintes e eleitores europeus.

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Muitas das posições políticas mais notáveis, muitas das quais espanholas, talvez face caos para o qual o actual governo de esquerdas empurrou o país, têm circulado publicamente e merecem a nossa atenção. Não por se tratarem de fait-divers para nos ocupar o tempo de isolamento mas porque o futuro, o nosso também, dependerá do que hoje for proposto, defendido, inovado e transformado em acção.

Contrastando com o brilhantismo de muitas destas posições políticas, enfrentamos, com heroicidade deprimida, o total vazio de ideias, propostas e estratégia políticas na nossa praça, do parlamento ao governo, passando, claro, por Belém.

O governo, claramente, e como sempre, à espera do dinheiro que virá de Bruxelas (como revelou claramente o episódio dos títulos de dívida conjunta Coronabonds), gere os danos do dia-a-dia, sem uma mensagem política e uma visão para o futuro. Ficamos a saber que o aeroporto vai mesmo ser construído, de que a TAP pode ser nacionalizada (sim, isso), que a privada EDP é “vil” por distribuir dividendos entre os accionistas (durante a pandemia!) e de que António Costa se tornou num profissional dos talk-show matinais e de entrevistas repetitivas e discurso reduzido a um vazio de incertezas e de falta de ideias. Os ministros, mais burocratas e discretos que nunca, vêm anunciar “medidazinhas”, tão pequeninas que mal conseguem encher uma reportagem de 2 minutos na TV. Para quem ainda resiste, os briefings diários do ministério da Saúde são bem o exemplo das pequenas contas, dos conselhos maternais e de uma total falta de força política que, imagino, leve qualquer resistente a regressar à pressa aos jogos da Playstation.

O Presidente da República, no frenesi de aparecer, para quem esperava sobriedade conseguiu não inovar. Paternal e banal, num esforço mal conseguido de linguagem “acessível”, e depois aclamado por comentadores dos telejornais, os mesmos de sempre, a dizer o mesmo de sempre. Foi decretado algures que teremos todos de aclamar o presidente Marcelo e que, se alguma discordância existir, teremos de o fazer de preferência a sorrir e em jeito de graçola.

O deserto político termina, claro, na casa da democracia. E aqui, da extrema-esquerda ao Chega, deparamo-nos com o tédio e o vazio, entre políticos entretidos com as miudezas da forma política mas nunca da sua essência. Uns fazem-se invisíveis: o Bloco de Esquerda reaparece de fugida com o velho fantasma da austeridade; outros lançam recados ao vizinho ou para dentro do seu próprio partido. E aí, Rui Rio tem conseguido, no seu tão propalado consenso com o PS, nada acrescentar. Discutem-se as taxas do IVA e justifica-se o consenso ao centro sem que uma mensagem forte seja produzida sobre como o PSD irá contribuir no plano interno e no plano europeu.  A tríade dos pequenos partidos à direita – CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal – resiste como pode. O arrazoado de disparates políticos está renhido entre a nova liderança do CDS-PP e o Chega e assim promete ser até ao final do ano. No Chega, cujo sentido de oportunidade do seu líder denuncia uma total falta de noção das prioridades do momento, a promessa de maior seriedade política parece ser uma miragem. A cereja no cimo do bolo, finalmente, é claro o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, a segunda figura do Estado, dia após dia mais azedo e “peremptório”, todo ele tolerância (com a esquerda), general no exército do combate a favor das celebrações do 25 de Abril, e quem sabe do 1º de Maio, em tempos de pandemia e de exemplo de reserva social (excepto ele próprio e os políticos do parlamento), num período em que centenas de famílias não se puderam despedir dos seus mortos em nome daquilo que Ferro Rodrigues pretende agora ignorar . Assim se entretêm os soldados da democracia no deserto nacional das ideias.

Questões como a gestão de uma próxima crise da dívida soberana, qual a estratégia para rede de saúde nacional, pública e privada, em caso de prolongamento da crise pandémica, como qual o investimento público na saúde até ao final do ano fiscal, qual a política para o sector da educação e para a retoma das actividades lectivas para 2020/2021, qual a política para o estímulo do emprego perante o risco de um milhão de trabalhadores em lay-off, qual a estratégia para a saída do estado de emergência – países como a Dinamarca iniciaram a abertura organizada e gradual a 20 de Abril, ou qual a prioridade para normalização do sistema judicial, entre outras, estão dependentes da “evolução” dos indicadores (todos ainda carecendo de testagem da população) e, sobretudo, dos fundos europeus.

Na Alemanha e França, os líderes políticos reemergem em períodos de crise, com discursos e roteiros claros e coerentes sobre os seus países e sobre a Europa.

Em Portugal, no fim do dia, cabe-nos ficar pelo único debate político que motiva os políticos nacionais: o de saber se os cabeleireiros deverão abrir antes ou depois da libertação social dos amola-tesouras ou se a celebração do 25 de Abril deverá incluir ou excluir buffet e, caso inclua, se haverá espaço para todos os políticos no salão nobre a AR… dada a contingência da distância mínima de 2 metros.