1. Não foram precisos cem dias para António Costa perder o estado de graça. Não foram sequer precisos dois – foi desde que arrancou a campanha das primárias, lá longe em maio, em que Costa saiu da janela da Câmara e começou a ser questionado.
O elogio de Costa ao país que recuperou não é um fait diver de pré-campanha, é sintoma de um problema muito mais complexo que o PS de Costa não resolveu melhor do que o PS de Seguro: quais são as causas da crise e o que podia o Governo ter feito diferente nestes três anos?
Nestes cem dias, Costa foi sempre equívoco sobre isto. Tão depressa o ouvimos dizer que a austeridade mata, como o sentimos prudente, dizendo que não vale a pena fazer propostas antes de saber exatamente com o que contamos no espaço europeu, como disse na conferência da Economist, provavelmente o discurso mais importante que fez nestes dias. Tão depressa o ouvimos dar força ao Syriza como o ouvimos sublinhar que a Grécia prova como é preciso ser cauteloso nestes dias.
É por isso que, legitimamente, muitos no país se perguntam sobre o que pensa realmente António Costa. Terá ele dito o que pensa sem pensar no que dizia? Ou, como reclama o próprio Costa, ele diz uma coisa aos investidores chineses e outra aos investidores portugueses?
2. Nada disto seria um problema caso António Costa não tivesse criado uma certa expectativa no país, sobretudo no PS. Expectativa que muitos dos seus companheiros de rota sintetizavam (ele próprio, nos debates com Seguro) com o seguinte pressuposto: Se pensares como a direita, acabarás por fazer como eles.
Ele, António Costa, não pensava como a direita. E, portanto, não matizava o seu pensamento. Admito que fosse sincero. Mas quando se lidera não se pode falar só de diagnósticos, como numa campanha interna. É preciso falar de soluções. E voltamos à questão central, que definirá todo o programa do PS: o que devia ter feito de diferente este Governo? Melhor ainda: o país está melhor?
Para isto, há três teses possíveis: a Europa fez o que devia e Portugal o que podia; a Europa reagiu mal à crise e Portugal também; a Europa reagiu mal, mas Portugal não tinha como fazer muito diferente – que é a tese que Vítor Bento aqui publicou no Observador.
Estando naturalmente excluída a primeira hipótese, qual das outras duas prefere Costa? O azar de Costa é que nenhuma resposta é isenta de riscos: o “tudo está mal e tem de mudar”, que foi há um mês a estratégia do Syriza, começou tão mal que não dá esperança; a último não é muito diferente do que pensa o atual Governo – ou seja, para uma campanha eleitoral parece “poucochinho”, como Costa dizia de Seguro há uns meses.
3. É a tudo isto que Costa não responde. E é esta dúvida que ele alimenta quando adia propostas para junho, ou quando admite perante investidores chineses que o país está diferente. Uma dúvida muito pesada para um PS que acreditou piamente que bastava mudar de líder para chegar à maioria absoluta, que bastava falar mais alto contra o Governo para ter uma passadeira vermelha rumo a São Bento.
A coisa chegou a um ponto em que até eu, que preferia o silêncio de Costa a que este comprometesse o futuro do país com propostas utópicas, começo a achar que não vai dar para segurar tantas dúvidas durante muito mais tempo. É que, daqui até outubro, vão duas vezes cem dias. E as sondagens hoje já estão assim.