1. Marcelo sai destas eleições com mais legitimidade política do que António Costa e o seu Governo. Passos anotou isso: “Autoridade política inequívoca”. Teve mais votos absolutos do que Cavaco Silva na sua última eleição, muito mais do que a coligação de direita nas legislativas. Foi eleito à primeira, sem dúvidas, sem precisar de fazer contas, sem precisar de negociar (e de perder autonomia). Tudo ao contrário de António Costa, portanto. O que Marcelo fará disso é, porém, uma incógnita que só o tempo vai dissipar.

2. Costa, “we have one more problem”. O PS teve pouco mais de 30% nas europeias (ganhando), pouco mais de 30% nas legislativas (perdendo, mesmo tendo feito Governo depois); e teve bastante menos de 30% dos votos nas presidenciais, juntando os candidatos que Costa disse (timidamente) apoiar. Sócrates bem tinha avisado: não apoiar ninguém era ajudar Marcelo.

Pode ter sido essa a intenção? Pode. António Costa percebeu há muito que Marcelo ia ser Presidente. E convinha-lhe, (como a Marcelo) que este não fosse a uma segunda volta. Se fosse, o líder do PS não podia faltar à corrida; Marcelo seria encostado à direita; e tudo isso junto tornava mais difícil o início de conversa entre São Bento e Belém.

Foi por isso que António Costa, na pele de primeiro-ministro, apareceu este domingo a estender a mão ao novo Presidente, prometendo-lhe lealdade. Foi por isso que não lhe disse, como tinha dito a Cavaco quando foi empossado, que quem manda é o Governo — e o Presidente só preside. E foi também por isso que deixou os avisos a Marcelo na mão da sua número dois, lá longe no Rato.

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Costa conseguiu, por isso, safar-se do pior. Mas na política, tudo tem um preço: agora, terá que juntar mais uma incógnita à de Bruxelas, à do PCP e do Bloco. E terá às costas mais um problema, no seu PS: na política como no futebol, o pior é quando os partidos desaprendem de ganhar — e quando saem das eleições divididos. E vão duas.

3. O PCP está numa encruzilhada. Perdeu eleitorado face às legislativas, teve o seu pior resultado em eleições presidenciais de sempre. Se é verdade o que se se diz, que o Comité Central se dividiu como nunca quanto ao apoio a este Governo do PS, anuncia-se um ano muito duro para os comunistas e para a liderança de Jerónimo de Sousa. Marque no calendário: o PCP tem congresso marcado para dezembro. E em 2017 tem um desafio muito difícil nas eleições autárquicas. Fica a pergunta: os comunistas quererão ir para essas eleições ainda a apoiar o Governo de Costa? Maybe. Ficaremos atentos.

4. Quanto tempo dura o namoro? Não, Marcelo não é o problema número um para António Costa e o seu Governo. O Orçamento de 2016 já estará resolvido quando o novo Presidente chegar ao cargo, Marcelo sabe que os primeiros meses serão de diálogo e consenso, como ele disse durante a campanha — e como sempre foram para cada um dos Presidentes. E não, Marcelo não será um problema enquanto tudo estiver bem à esquerda.

O desafio virá, como sempre, quando chegarem os obstáculos. Mas o primeiro não está muito longe. É que o acordo das esquerdas é apenas um acordo para os primeiros meses de governação, um programa de emergência. E a grande incógnita é o que fará Costa para segurar PCP e BE quando, no Orçamento para 2017, o essencial desse programa estiver aplicado. Veremos em outubro como é (e até lá como vai andando a execução orçamental).

5. O PSD não pode bater palmas. É claro que a vitória de Marcelo é melhor para Passos do que a sua derrota, mas a maneira como venceu não dá descanso ao líder do PSD. Marcelo ganhou com outro discurso, com grande distanciamento. E com enorme legitimidade. Conhecendo nós o novo Presidente, não vai ser fácil para o PSD gerir a relação com o Palácio de Belém. Resta-lhe esperar que os problemas apareçam no caminho do Governo — antes de outros aparecerem no PSD.

6. O populismo perdeu. E isso é uma boa notícia. Mas a abstenção foi gigante — um afastamento da política que foi o preço a pagar pela estratégia quase apolítica de Marcelo nesta campanha. Ironia: agora vai caber-lhe a ele resolver o problema. Honestamente, não conheço ninguém com mais capacidade de o fazer.

* David Dinis é diretor executivo do Observador