Greta Thunberg queixou-se de que estamos longe de conseguir travar a emissão de gases poluentes e o aquecimento global que deles resulta. Efetivamente, de acordo com dados credíveis, a temperatura média global já subiu mais de 1ºC em relação à média amena em que temos vivido nos últimos 10 000 anos. E, a continuarmos assim, este valor pode subir 3ºC ou 4ºC! Claro que em ciência não existem consensos absolutos e estáticos. Por definição, cenários e projeções variam, desde logo em função do nosso comportamento. Mas, por isso mesmo, uma boa gestão de riscos não pode esperar pela informação perfeita ou pelo utópico consenso total sobre o que fazer. Porém parece, desde já, confirmar-se a previsão de muitos peritos de que temos mais turbulência no clima, e, como resultado, mais secas, inundações, tempestades, fogos cada vez mais intensos, resultando em biliões de euros de prejuízos e muitos mortos. O que já não é tão claro é como é que o blablá de ativistas como Greta vai ajudar mais a resolver o problema do que o blablá diplomático dos representantes dos 195 Estados reunidos em Glasgow na COP26.
Com base no passado tenho poucas dúvidas de que a humanidade se irá adaptar. Num passado mais remoto já houve mudanças climáticas dramáticas como, por exemplo, o início e o fim das eras glaciares, a que a humanidade sobreviveu. Mas também é claro que terá custado menos mudar umas quantas tendas de sítio aos pequenos bandos dos nossos antepassados caçadores do que nos custará a nós, eventualmente, ter de mudar centenas de milhões de pessoas e pesadas infraestruturas. Mais de metade da população global vive hoje em cidades, a maioria situadas na faixa costeira.
Neste contexto, e independente de efeitos futuros incertos, alguém pode estar realmente contra que se polua menos? Que empresa não quer evitar desperdício? Quem pode estar contra cidades mais resilientes face a desastres? Há quem o faça por razões ideológicas. Mas a grande dificuldade está sobretudo em como repartir com justiça, eficácia e com o mínimo de perturbação o enorme custo de uma mudança significativa no nosso padrão atual de vida, consumo e produção, entre 195 Estados muitos diferentes.
O cerne do problema é que vivemos num Mundo muito dividido, e não apenas por culpa de líderes malévolos. Mesmo na Europa, o único continente a ter reduzido significativamente as suas emissões – em 24% desde 1990 – e que conta com partidos ecologistas cada vez mais fortes, vimos surgir os Gilet Jaunes, e vemos uma reação popular muito negativa ao aumento do custo da energia. Dizer que nada de objetivo separa o Vanuatu, o mais pequeno estado insular do Mundo, da gigantesca China é ignorar a realidade. Espanto-me que alguns dos que denunciam a ignorância da realidade climática venham depois defender que devemos ignorar este dado fundamental da política global: ela é dominada por Estados. E é assim porque a maioria das pessoas vive e identifica-se com estas comunidades políticas muito diferentes. Estes 195 Estados variam realmente muito na sua história, na sua população, no seu nível de prosperidade, nos seus recursos (energéticos e naturais), nos seus interesses.
Se quisermos ter alguma hipótese de lidar com este desafio global teremos de lidar não apenas com realidades ecológicas, mas também com realidades políticas globais. Teremos, por exemplo, de reconhecer que a China tem razão quando afirma que tem mais população do que EUA e Europa somados e, por isso, polui muito, mas ainda assim os chineses consomem menos energia per capita do que a média ocidental. Como também é justo que os europeus respondam que são os que mais reduziram emissões e os que mais dinheiro têm dado para ajudar os países mais pobres a fazê-lo. E é válido aos norte-americanos defender que, por muito mais que façam, será impossível parar o aquecimento global se a China não começar a inverter já o seu consumo crescente de carvão.
O problema aqui, que fique claro, não é que a Humanidade esteja a “trair a natureza”! Todas as plantas e animais têm impacto no seu ambiente. Porém, também sabemos que os seres vivos tão bem-sucedidos que esgotam os recursos de que necessitam enfrentam a extinção ou, pelo menos, uma mortalidade muito elevada. Em suma, devíamos aproveitar a nossa grande vantagem evolutiva – a nossa capacidade para inovar, para conversar e para agir em conjunto – a fim de evitar males maiores.
Percebo que, 26 anos passados, é frustrante tanto blablá diplomático e resultados insuficientes. Mas lembro que, na política internacional, quando estão em causa interesses vitais a alternativa a conversar é, geralmente, o conflito. E parece evidente que guerras climáticas, sejam civis ou entre Estados, não são uma solução prometedora. Esperemos que da conversa diplomática se passe com urgência à implementação.
Desse ponto de vista, a crescente guerra fria entre a China e os EUA não poderia ter surgido em pior altura. O Presidente Biden denunciou o facto de a China ser responsável por 25% das emissões e não se comprometer a reduzi-las até 2030. Mas isso será eficaz? O seu enviado especial para o clima, John Kerry, encontrou-se 18 vezes com responsáveis chineses, sem resultados. O preço de um combate mais eficaz à crise climática pode passar por sacrificar a defesa vocal de alguns princípios em nome de uma diplomacia mais pragmática? Se sim, estaremos disponíveis para mais esse sacrifício?
Bruno Cardoso Reis (no twitter: @bcreis37), historiador, é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, Madalena Meyer Resende e João Diogo Barbosa. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00.
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