Interessa-nos mais do que pode parecer. Desde logo, pelos seus potenciais efeitos negativos na economia europeia. Mas também pelo que nos diz sobre a evolução da política global na direção de um mundo mais conflituoso, bem menos favorável aos interesses de um país como Portugal.

Vai haver uma guerra na Ucrânia?

Não sabemos, até porque a Rússia tem instrumentos menos convencionais de pressão, mas é bem possível, tendo em conta que a Rússia colocou mais de 120 000 militares na fronteira com a Ucrânia. E, como referiu o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, as tropas russas não estão lá, no pico do inverno, para “fazer um pic-nic”. Mais, não poderão ficar por lá indefinidamente. É certo que Moscovo nega a intenção de invadir a Ucrânia, mas que dissesse o contrário é que seria de espantar. O que também é certo é que o Kremlin apresentou uma longa lista de exigências, e sabe que muitas delas seriam impossíveis de aceitar. Mais, Putin deixou claro que não considera a Ucrânia um verdadeiro país, e que se não obtiver satisfação, pode tomar medidas “militares”. Ignorar esta ameaça seria irresponsável.

Quer José Milhazes, quer Teresa de Sousa manifestaram estranheza pela ausência nos debates eleitorais portugueses deste possível regresso da guerra à Europa. É verdade que, em todos os países, a política tende a ser, sobretudo, dominada por questões internas. Também é certo que Portugal tem capacidades militares limitadas, e mesmo aliados mais fortes como os EUA, com o seu papel liderante na NATO, têm dito que não tencionam intervir diretamente num conflito armado. Por fim, a Ucrânia fica longe, no outro extremo da Europa. No entanto, seria errado pensar que a distância nos resguarda de todas as consequências desta crise e elas podem ser bem sérias.

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Os custos de uma guerra

Recordo que Portugal permaneceu neutro durante toda a Segunda Guerra Mundial (1939-45), porém, isso não evitou um terrível impacto deste conflito na economia e na sociedade portuguesa – sobretudo no que respeita à subida dos preços de produtos vitais e a uma grave crise de abastecimentos. Não estou a prever uma Terceira Guerra Mundial, mas uma possível ação militar russa na Ucrânia dificilmente deixará de ter um impacto económico negativo, sobretudo se for de grande escala e provocar uma forte retaliação ao nível de sanções. É verdade que Portugal não depende diretamente do gás natural russo, mas este representa 45% das importações europeias. E 25% das compras europeias de petróleo também vêm da Rússia. Há, ainda, que recordar a importância da Ucrânia, tradicionalmente conhecida como o celeiro da Europa, num mercado mundial de cereais mal recuperado da pandemia. Portanto, se em Portugal a grande preocupação eleitoral é a economia e a sua recuperação, importa não ignorar o risco de uma guerra na Ucrânia, sobretudo se ela se estender no tempo e no espaço, reforçar a tendência para uma subida dos preços – da energia até aos alimentos – e dificultar seriamente a recuperação económica por toda a Europa.

Um mundo mais perigoso

O conflito na Ucrânia é também um sinal de uma política internacional mais imprevisível e mais violenta, em que as democracias estão menos seguras. Isto resulta de uma perda de poder relativo dos EUA face a potências autoritárias mais assertivas, como a Rússia ou a China, determinadas a rever a ordem global vigente, inclusive redesenhando fronteiras. Resulta também de uma opção por boa parte das elites dos EUA – antes de Trump, com Trump e depois de Trump – por um certo retraimento e por uma vontade de dedicar maior atenção à Ásia-Pacífico. Tudo isto redunda num mundo em que vemos proliferar cada vez mais conflitos indiretos entre grandes potências. Depois de duas décadas em que os europeus se entretiveram a criticar as intervenções militares norte-americanas a Europa está agora confrontada com uns EUA menos dispostos a envolver-se, em força, num mundo mais perigoso, em que se multiplicam crises militarizadas para as quais a Europa está mal preparada.

O que fazer?

Estas mudanças representam um desafio sério para um país como Portugal. Dizer que preferimos soluções pacíficas e somos favoráveis ao multilateralismo não basta no contexto atual. No meio da crescente incerteza e insegurança globais, há uma resposta que é, em todo o caso, claramente disparatada. Trata-se da reação dos Putinófilos que, em nome de um anticapitalismo, antiamericanismo ou anti-imperialismo primários, consideram que Portugal devia romper com a NATO, com os EUA, com a UE. Isso seria ignorar a nossa realidade geopolítica que, há séculos, em diferentes regimes, vem ditando que tenhamos de procurar manter uma relação sólida com a principal potência marítima no Atlântico. Seria também ignorar que a Rússia fala muito de respeito pela soberania dos Estados, mas ignora imperialmente a de países vizinhos, como a Ucrânia. A ideia de que Portugal ficaria melhor alinhando com Moscovo ou com Pequim do que com Washington ou com Bruxelas é um evidente disparate. O que não significa que devemos fechar as portas da diplomacia com Moscovo (ou Pequim). Dissuasão e negociação com a Rússia (ou com a China) não são incompatíveis. Seria insensato reservar a diplomacia para falar com países aliados. Admito que Putin não esteja interessado num compromisso sério, e sim num conflito para contrariar a sua crescente impopularidade interna. Mas o que se perde em tentar? No mínimo, ganha-se tempo para ir rearmando a Ucrânia. O que não faz, de todo, sentido, é alimentar ilusões sobre a natureza da Rússia de Putin ou equívocos sobre os valores e interesses de Portugal.