Na semana em que dois dirigentes do PS são detidos por corrupção, um ex-secretário de Estado do PS é condenado por corrupção e se sabe que um ex-líder do PS escondeu um ruinoso empréstimo de 350 milhões de euros a Joe Berardo, o regime decide discutir o quê? A «crise» do centro-direita, meu caro leitor, a «crise» do centro-direita.

Não há maneira de observar isto sem sentir uma profunda vergonha – como cidadão, principalmente. Que a direita enfrenta grandes desafios não é novidade para ninguém. Que Marcelo Rebelo de Sousa não resiste a fazer análise política também não. Mas o modo como a praça pública se deixou levar por esse cósmico tópico que é «a crise do centro-direita» diz muito sobre a inversão de prioridades que o país vive.

Em democracia, há vencedores e derrotados – é assim. Se lhe quiserem chamar «crise», estejam à vontade. Mas um partido que numa semana banalizou a corrupção no desempenho de funções e normalizou a mentira como tática parlamentar não está também – e mais gravemente – em «crise»?

Numa sociedade devidamente escrutinada, e com um pingo de dignidade, não era possível o partido de governo andar a vender-se como força política anti-corrupção num dia para recusar comentar os casos de corrupção que assolam o seu poder local dois dias depois. Já era um tanto abusivo os novos porta-vozes da ética na política serem os antigos defensores de José Sócrates – sendo que um deles até chegou a presidente da Assembleia da República –, mas no país em que o esclarecimento sobre casos de nepotismo é proferido por Carlos César, de facto, não há limites para o abuso. Esta semana, foi isso que se viu.

O PS tem de decidir se quer ser um partido verdadeiramente ativo contra a corrupção ou um partido cujo silêncio não significará mais do que complacência perante a sua própria identidade. Como cidadãos, insisto, não podemos deixar que quem exerce poder permaneça nesse limbo moral – entre dizer que é contra mas praticar a favor. Como cidadãos, mais do que análises políticas à direita ou à esquerda, temos o dever de exigir mais dos nossos representantes políticos. Sem autarcas em prisão domiciliária, sem eurodeputados com traços de lobyismo, sem a conveniência da mudez ocasional.

Caso contrário, permaneceremos neste estado de indignidade coletiva e de impunidade de alguns. E são esses alguns que nos governam. Sobre a sua crise, no entanto, não se fizeram capas de jornal.

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