As eleições parlamentares alemãs do passado domingo não são só históricas por significarem o fim de Merkel, mas também por anunciarem o ocaso de uma era marcada por uma cultura política de consenso que a Chanceler moldou com mestria a sua imagem e aos seus interesses.

A pandemia acelerou varias tendências sociais e políticas, provocando uma mudança estrutural no sistema politico alemão que terá consequências inevitavelmente profundas na política europeia. O resultado mais importante e o declínio acentuado dos Volkpartei – SPD e CDU – e a emergência dos liberais e dos Verdes como partidos centrais do sistema. Temos agora um centro partidário substancialmente diferente, com 4 partidos que representam versões diferentes da esquerda e da direita.

Um dos motores principais desta mudança é a emergência  de uma oposição acentuada entre as gerações mais jovens e as mais velhas. Se os eleitores de mais de 35 anos continuaram a votar nos velhos partidos (SPD e CDU), os eleitores mais novos votaram em massa nos Verdes e nos liberais, denotando uma cisão na cultura política do pós segunda guerra. Cientes de representarem uma nova geração, estes dois partidos iniciaram uma colaboração estreita no sentido de aumentarem o seu peso na futura coligação governamental face aos velhos partidos.

A crise criada pela pandemia facilitou o emergir desta clivagem. Um novo estudo do European Council on Foreign Relations mostra como o sacrifício da liberdade das gerações mais novas, percebido como um desafio maior ao seu modo de vida, resultou num sentimento generalizado de que o futuro dos mais novos foi sacrificado a favor do bem estar dos seus pais e avós. Os jovens são também muito mais desconfiados em relação às motivações dos governos ao introduzir medidas restritivas, vendo-as como uma forma de melhor controlar o publico.

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Na Alemanha, em que a gestão da pandemia no inverno de 2020/21 foi pautada por uma aversão ao risco e centrada na proteção dos mais velhos, e em que a sociedade se pauta por valores liberais que prezam a liberdade individual, metade da população declarou sentir-se agrilhoada por um Estado todo poderoso, apenas 11 por cento declarando sentir-se livre. Nas eleições do passado domingo vimos como este sentimento de mal estar se tornou uma forca política poderosa. Os Verdes e os Liberais apostaram fortemente neste sentimento, apresentando candidatos que personificaram os valores das populações urbanas e jovens. Enquanto os Verdes apresentaram uma jovem mulher com perfil internacional, Christian Lindner, o líder dos liberais, articulou a agenda da direita libertaria, desafiante da gestão monocórdica e unidimensional da pandemia de Merkel.

Este resultado, apesar de confuso, mostra uma inequívoca mudança. O desafio a estabilidade do sistema político do pós Guerra que a Chanceler tanto prolongou no tempo já não vem da extrema esquerda e da extrema direita. Tanto a Alternativa para a Alemanha (nacionalistas) como o Die Linke (extrema esquerda) viram o seu eleitorado diminuir e concentrar-se geograficamente no Leste da Alemanha. Agora o sistema político mudou no centro, e os novos equilíbrios tem de encontrar-se aí. O bipartidarismo imperfeito alemão veio dar lugar a um quadripartidarismo instável, mas porventura mais dinâmico e inovador.

Madalena Meyer Resende (no twitter: @ResendeMeyer) é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, João Diogo Barbosa e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00.

As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor.

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