O ataque à família tradicional é a maior causa do Bloco de Esquerda. A propósito de quase tudo, do aborto ao casamento entre homossexuais e à eutanásia, passaram os últimos vinte anos a atacar a visão da sociedade assente na família tradicional. Alguém acha que o Bloco de Esquerda se preocupa genuinamente com a liberdade de escolha das mulheres e dos homossexuais? São contra a liberdade de escolha sobre o modo como educamos os nossos filhos, como tratamos os nossos doentes, como gastamos o nosso dinheiro, como usamos a nossa propriedade, e até como recebemos os turistas. Ou seja, são contra a liberdade em quase tudo. Só defendem a liberdade para abortar e para os homossexuais se casarem porque querem destruir a família tradicional. Esta estratégia é inteligente porque torna muito mais difícil defender a ideia de família tradicional. Hoje, queremos todos ser modernos e olhar para tudo como igual. Além disso, a defesa dessas causas deu a um bloco, geneticamente totalitário, a imagem de um partido a favor das liberdades individuais. Eis uma das maiores farsas da democracia portuguesa.
Não sou contra a união civil entre homossexuais. Nem sequer sou contra a adopção de crianças por homossexuais. Muitas delas terão uma vida melhor do que teriam se não fossem adoptadas. E, parece-me, que o critério da qualidade da vida das crianças, deve ser o mais importante de todos. Mas um casal de homossexuais não é o mesmo que um casal de heterossexuais e uma família com mães (oupais) de mesmo sexo não é o mesmo que uma família com mãe e pai. Dois pais não substituem uma mãe e duas mães não substituem um pai. Tudo isto me parece tão óbvio que até é estranho escrevê-lo. O facto de me sentir obrigado a escrever esta crónica mostra o sucesso do Bloco de Esquerda. Aqueles que defendem a família tradicional não devem ter medo de o fazer. Não é reacionário, nem anti-moderno.É fundamental para uma sociedade educada, forte e livre.
Também sei muito bem que as famílias tradicionais estão longe de serem perfeitas. Sou divorciado, por isso sei do que falo. Mas mesmo uma mãe e um pai divorciados têm como principal obrigação educar os seus filhos e, não juntos, mas em conjunto. Além disso, continuam a ser um pai e uma mãe. As mulheres e os homens não são simplesmente diferentes, são complementares. Nos afectos, nas emoções, na inteligência, no carácter, nada substitui uma mãe e um pai. Isto não é uma questão académica ou teórica. É um facto da vida.
Um país com políticas públicas para proteger a família tradicional, por exemplo que reforcem a igualdade profissional entre as mães e os pais, ou que promovam a natalidade, será um país com uma sociedade mais forte e com maior coesão social. Tocqueville descrevia a família como a “a instituição onde se aprendem os primeiros hábitos do coração.” ‘Hábitos do coração’, para Tocqueville, significava a capacidade de partilhar, de ajudar, de resistir aos excessos de individualismo, a responsabilidade individual. É na família que se aprendem muitas das virtudes que mais tarde fazem de nós cidadãos responsáveis. Por isso, até um pensador de esquerda, como Anthony Giddens, reconhece que a família é a “fonte de responsabilidade cívica.”
A educação da família, e aqui incluo a família alargada, sobretudo os avós e os tios, também é fundamental para criar cidadãos preparados para lutarem pela sua liberdade e para resistirem aos abusos arbitrários dos poderes políticos. Uma sociedade livre necessita de instituições intermédias fortes. A família é uma das principais instituições que se encontra entre o individuo e o Estado. Por isso, os caminhos para os totalitarismos começam pelos ataques à família. Um conjunto de indivíduos isolados e perdidos é o terreno fértil dos poderes totalitários, como Hannah Arendt (“As Origens do Totalitarismo”)tão bem explica.
Finalmente, a família extensa é essencial para transmitir a humildade suficiente para impedir que nos tornemos absolutamente centrados em nós próprios, como se fossemos o princípio e o fim de tudo. Mais do que qualquer outra instituição, a família mostra que quase nada começou connosco e que muito continuará depois de nós. Os avós, os pais, os filhos e os netos ilustram o modo como Edmund Burke definiu a sociedade: “um contrato entre os vivos, os mortos e os que estão por nascer.” Se algumas esquerdas atacam esta visão de sociedade, compete às direitas defendê-la. Se não o fizerem, estão a demitir-se de uma das suas principais obrigações. Sobretudo nunca devem ter medo de o fazer, porque também estão a defender a liberdade individual.