A Secretária-Geral Adjunta da NATO, a norte-americana Rose Gottemoeller, efectuou uma visita oficial a Lisboa nas passadas quinta e sexta-feiras. No âmbito desta visita, proferiu uma palestra sobre “O Futuro da NATO” no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. Foi uma vigorosa defesa da Aliança Atlântica, seguida de intenso e amigável debate com uma vasta audiência.

O tema do “futuro da NATO” é central e não deve ser menosprezado. Vai aliás dominar a próxima 27ª edição do Estoril Political Forum, a 24-26 de Junho, sobre “The Atlantic Alliance: 70 Years after the Founding of NATO, 30 Years after the Fall of the Berlin Wall” — promovido pelo mesmo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. Randolph Churchill, bisneto de Winston Churchill, confirmou já a sua presença, o que exprime com clareza a importância que atribui ao tema.

No entanto, em vários sectores — à esquerda e à direita, na Europa e na América — têm surgido dúvidas sobre a razão de ser da NATO. Uns dizem que, depois da queda do Muro de Berlim, já não há “Guerra Fria” contra o comunismo e que, por isso, a NATO deixou de ter razão de ser. Outros argumentam que temos hoje um mundo multipolar de alianças flexíveis, em que não é vantajoso ter um bloco militar fixo como a NATO.

Receio ter de discordar com algum vigor desses pontos de vista.

É certo que a criação da NATO em 1949 teve como dominante preocupação imediata fazer frente ao expansionism soviético ascendente após a II Guerra. Mas seria um erro atribuir à NATO essa razão de ser exclusiva, ou mesmo principal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Uma ilustração desse erro consiste em recordar um precursor crucial da NATO (bem como da ONU): a Carta do Atlântico, assinada por Winston Churchill e Franklin D. Roosevelt a bordo de HSM Prince of Wales, em Placentia Bay, em Agosto de 1941(ainda antes de os EUA terem entrado na II Guerra). Aí estão enunciados os princípios fundamentais de uma ordem internacional fundada em regras gerais, reconhecimento das soberanias e fronteiras nacionais, e do direito dos povos ao auto-governo. Como é sabido, isso foi antes da “Guerra Fria” — e a URSS até veio a subscrever hipocritamente essa Carta, depois dos Governos no exílio da Bélgica, Checoslováquia, França Livre, Grécia, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Polónia e Jugoslávia.

Esses princípios da Carta do Atlântico foram reafirmados por Winston Churchill no célebre discurso de denúncia da “Cortina de Ferro” soviética — que proferiu no Westminster College, em Fulton, Missouri, na presença do Presidente Truman, em Março de 1946 (quando Churchill era apenas líder da Oposição conservadora ao Governo trabalhista de Clement Attlee).

Recordando a aliança anglo-portuguesa de 1386, Churchill argumentou que alianças entre países ou grupos de países não são necessariamente contrários à paz mundial ou, mais concretamente, ao espírito da então recém criada Organização das Nações Unidas; pelo contrário, disse ele, podem reforçá-lo. E foi nesse espírito — no espírito do Tratado de Windsor entre Portugal e a Inglaterra — que apelou a uma Aliança transatlântica das democracias ocidentais.

Em suma: pode ser consistentemente argumentado, como Churchill repetidamente argumentou, que a razão de ser da NATO remonta a muito antes do pós-II Guerra e da emergência do expansionismo soviético. Churchill explicou repetidamente que a razão de ser da Aliança Atlântica remonta às lições aprendidas com a I Guerra Mundial e com o isolacionismo norte-americano que se lhe seguiu.

Foi esse isolacionismo americano que impediu após a I Guerra uma sólida reconstrução da ordem mundial com base na aliança entre os EUA e as democracias europeias. Foi essa separação entre a América e as nações da Europa que permitiu a “lei da selva” (parafraseando Robert Kagan) — que por sua vez abriu caminho à II Guerra Mundial.

Estas deviam ser lições solidamente aprendidas. Elas foram recordadas por Margaret Thatcher, em Março de 1996, no Westminster College, em Fulton, Missouri — 50 anos depois do já referido discurso de Churchill, no mesmo local, sobre a “Cortina de Ferro” (e que, como referi, tinha sido o discurso inspirador da criação da NATO):

“O Ocidente não é apenas uma construção da Guerra Fria, destituída de significado no nosso mundo actual, mais livre e mais fluído. O Ocidente assenta em distintivos valores e virtudes, ideias e ideais, e sobretudo sobre uma comum experiência de liberdade.

“[…] É o Ocidente que tem formado esse sistema de democracia liberal que é hoje politicamente dominante e que todos sabemos oferecer a melhor esperança de paz global e de prosperidade. Para defender e sustentar estes valores, a relação política atlântica deve ser constantemente alimentada e renovada.” (em James W. Muller, Ed., Churchill’s “Iron Curtain” Speech Fifty Years Later, Columbia and London: University of Missouri Press, 1999, p. 167).

https://observador.pt/videos/conversas-2/aos-50-anos-a-nato-ganhou-um-passado-mas-nao-sabe-se-tem-um-futuro/