Vivo com a firme convicção que não há pior praga na humanidade que os políticos com capacidade de concretização. São mais destrutivos que o tsunami médio. Só rivalizam na capacidade de devastação com os tornados mais fortes e com essa outra classe, os políticos ‘com visão’.

Os políticos fazedores são tóxicos. Como eu digo sempre, devíamos valorizar mais a indolência e a incompetência nos governantes. Imaginem um político a tutelar uma área que já está razoavelmente funcional. Em vez de se contentar em trabalhar pouco, fazer charme com o sexo oposto usando o título do seu cargo, gerir a velocidade de cruzeiro, não atormentar as populações com novas restrições e responder apenas às alterações conjunturais e estruturais (garantir meios de prevenção contra incêndios florestais fora da fase Charlie, por exemplo, se a meteorologia assim o aconselhar, e que não foi feito; ou promover a formação de magistrados que lidem com violência doméstica e violência contra mulheres, que, espero, venha a ser), inventam.

Nos últimos meses temos tido produções governativas que só podem provir de organizações e governantes com excessivo tempo livre. E, pretendendo justificar o ordenado que recebem e apresentar serviço para a comunicação social, consultam a sua imaginação (sempre um alerta de perigo de catástrofe) e resolvem mudar o mundo para melhor (é quando chega a catástrofe).

É dessa tão sub diagnosticada maleita – que vernacularmente podemos chamar de ‘mania de fazer coisas’ – que têm surgido as proibições da CIG aos cadernos de atividades, o entretenimento desta instituição patrulhando a liberdade de expressão de colunistas que escrevem textos que não agradam à ILGA e a agitadores das redes sociais, os impostos sobre bebidas açucaradas, a proibição de doces e salgados nos cafés e restaurantes do SNS.

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A última invenção é o limite de velocidade, que o governo pretende impor, de 30km/hora dentro das cidades. Medida proposta por uma entidade chamada Comissão Interministerial para a Segurança Rodoviária. Uma comissão tão útil e imprescindível que reúne semestralmente. Duas vezes por ano.

Do conselho que acompanha a execução do Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária, que também reúne duas vezes por ano, fazem parte, entre outros, o Presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, Presidente do Conselho Superior da Magistratura, Presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, Presidente da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional e o Diretor-Geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências. Também não podia faltar a Presidente da CIG. Tudo gente, como escancaradamente se vê, competentíssima para avaliar questões relativas à segurança rodoviária.

Usemos de lógica. Evidentemente no meio de Campo de Ourique, Alvalade ou nas ruas laterais à Avenida da Liberdade, em Lisboa, ou nas ruas da Foz, da Baixa ou do Bonfim, no Porto, pode fazer sentido limitar a velocidade a 30km/hora. Em alguns bairros lisboetas já existe essa proibição.

Como também é evidente, circular em vias urbanas com várias faixas de rodagem no mesmo sentido e com pouco ou nenhum atravessamento de peões – em Lisboa, a Avenida de Ceuta ou Avenida Infante Dom Henrique, junto ao rio; no Porto algumas zonas da Avenida da Boavista; noutras cidades haverá mais exemplos – não pode estar limitado a esta velocidade de fazer adormecer condutores se as vias forem amplas e sem peões.

Os governos socráticos, prenhes de visão do seu líder, criaram a ASAE que tinha como objetivo primeiro extorquir multas milionárias por pequenas infrações de empresas, quase sempre sem qualquer dano para os clientes. O governo de António Costa aparentemente congeminou uma forma de resolver os problemas de Mário Centeno nas finanças públicas através da cobrança de multas infindáveis por excesso de velocidade nas cidades. Vamos, ainda, ter largos milhares de condutores a perderem pontos e carta por guiarem a 40km/hora na Avenida Gago Coutinho em Lisboa.

O caminho para a construção de cidadãos ideais persiste. Alimentamo-nos sem excessos açucarados, salgados ou de gorduras trans. Somos amigos de pelo menos vinte transsexuais, achamos horrível notar as diferenças entre rapazes e raparigas e pomos laçarotes rosa nas madeixas dos nossos filhos com cromossomas xy. Lemos os livros que o estado considera do lado do bem, constantes no Plano Nacional de Leitura. Temos cedo educação nesse assunto fulcral que é o aborto. E guiamos muito devagarinho, sem buzinar se faz favor, mesmo nas vias adequadas a maior velocidade. Os ansiolíticos que consumimos para não perdermos, a espaços, as estribeiras por tanta placidez e beatitude na nossa tão temperada vida são um pormenor risível e irrelevante.

Como bom senso e ponderação não existem neste governo nem nas suas comissões, inter ou mono ministeriais, sugiro que o Presidente da República pare de dar posse a ministros e secretários de estado antes de os submeter a testes de personalidade. E só aceite governantes com níveis substanciais de indolência. Zero de imaginação também, se não for pedir muito.