Que o ex-primeiro-ministro António Costa esteve bem durante a pandemia, colaborando com as empresas na salvaguarda dos postos de trabalho (decisiva para uma mais rápida recuperação económica) é indiscutível. E revelou bom senso e equilíbrio em termos gerais. Mas pecou por total omissão de medidas fundamentais.

Foi também o principal responsável pela não implementação das reformas, pelo retrocesso em vários setores de atividade e pela deterioração do funcionamento da Administração Pública, como a desistência na privatização das empresas públicas de transporte ferroviário, que atingiu uma situação calamitosa que parece irrecuperável se mantida no setor público. Ou ainda pela quebra de contrato nas PPP na área da saúde, que acabou por dar a machadada fatal no SNS, que já vem em queda há largos anos.

Também não se entende como é que um político com experiência desperdiçou uma oportunidade única (maioria absoluta, PRR e até a disponibilidade do PSD para apoiar reformas estruturantes) e constituiu neste quadro talvez o governo menos eficiente, confuso e sem a menor ideia válida para o país.

E o mais grave é que este total fracasso conduziu à atual situação em que não se vislumbra no horizonte próximo qualquer solução política estável e capaz que possa trazer um projeto consistente e sério para o país. Pelo contrário, perfilam-se no horizonte forças políticas de um total descaramento que tudo e o seu contrário prometem, sem o menor fundamento ou credibilidade.

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Portugal teve neste período condições excecionais para dar um salto de crescimento e melhorar de forma duradoura e consistente a vida das pessoas. O equilíbrio das contas públicas é ponto positivo a reter, mas este ficou a dever-se não a uma gestão eficiente da despesa pública ou a grandes investimentos que não ocorreram, mas a uma sobrecarga tremenda da carga fiscal sobre as pessoas e sobre as empresas.

Bom seria que o equilíbrio das contas resultasse de uma política de combate feroz ao desperdício e a uma melhor organização, racionalização e gestão da gigantesca despesa do Estado. O desperdício não aproveita a ninguém!

É indispensável um governo coeso, enxuto, preparado e com coragem política para fazer o que ainda não foi feito, gerando um consenso alargado entre as forças políticas empenhadas em mudar o país — ávido da definição de um rumo seguro.

Na minha opinião, umas das principais reformas a realizar é a reorganização administrativa do território. “Arrumar a casa.” As câmaras municipais são uma peça fundamental para desenvolver o país, mas o seu número e distribuição é hoje totalmente desadequado da realidade. O ideal seria ter menos câmaras com mais competências descentralizadas, mais recursos e melhores práticas.

Estas novas câmaras municipais seriam os pilares da descentralização (e não a propalada regionalização).

Reconstrução urgente da administração pública central, regional e local assente na dignificação dos funcionários, melhoria das remunerações em função do mérito e aumentando o grau de exigência. E, sobretudo, reduzindo e simplificando as funções do Estado.

Menos Estado, mas muito melhor Estado é uma necessidade óbvia, mas não se faz nada nesse sentido.

Classificação e transparência são essenciais, mas parece que são indesejáveis. Os licenciamentos estão, como é sabido, na origem de muitos problemas.

A solução óbvia é começar por criar um programa informático de fácil acesso, com toda a informação relevante objetiva em que se defina relativamente a cada terreno o potencial construtivo ou a impossibilidade de construção, as características e parâmetros a respeitar, com toda a história do mesmo ao longo dos anos, incluindo situação fiscal, situação sobre a existência de dívidas, condicionamentos, etc.

Este modelo pode ser visto, por exemplo, em Orlando, nos EUA. Não é preciso falar com ninguém nem meter “cunhas” para aprovar um projeto se este reunir as condições necessárias. E também fica excluída a possibilidade de construir onde não se pode. É fácil, é barato, é transparente, é útil para todos. Porque é que não se implementa? Este é apenas um mero exemplo do muito que se poderia fazer para simplificar a administração pública.

Ao Estado o que compete por definição ao Estado e deixem a economia para as empresas, que mesmo não sendo brilhantes sempre fazem melhor. Enxugar é preciso! E o desperdício é chocante.

Era preciso criar incentivos ao reinvestimento dos lucros das empresas – como descontos no IRC. O interior poderia oferecer terrenos para as empresas instalarem parques industriais e casas para os jovens repovoarem áreas abandonadas.

Desinteresse, desmotivação, falta total de liderança são o espelho de uma administração pública amorfa no ensino, na justiça, no SNS, nas forças de segurança.

A base de qualquer reforma passa por uma “barrela” de ética, reposição da valorização do mérito e da justiça relativa. Incentivos à liderança, à capacidade de decisão, ao empreendedorismo e dignificação da função pública e da política que está nas ruas da amargura. Menos gente, mais capaz e mais bem paga são desígnios a prosseguir com urgência.

Temos de acabar com os “achadores” que não sabem, não estudam e dão palpites sem fundamento. A burocracia está tão entranhada que sempre que alguém cria uma medida simplificadora “chovem” novas dificuldades para a inviabilizar. O negativismo está tão implantado que se esquecem quaisquer ações positivas e relevantes para o país. O essencial é espezinhado pelo acessório e secundário.

Discute-se à exaustão o caso das gémeas, mas o tema do TGV não é discutido em termos sérios, racionais ou com um mínimo de preparação técnica. E estamos à beira de cometer uma decisão desastrosa. Com um custo brutal, um endividamento assustador e uma muito difícil viabilidade.

O único TGV com interesse para o país seria a ligação a Espanha e à Europa, de que não se fala. A ligação Porto-Lisboa precisa de ser melhorada, mas com custos adequados à realidade, ao retorno do investimento e aos benefícios. O elevadíssimo investimento no TGV não vai trazer mais riqueza ao país e é mais um desperdício. Ao contrário, a ligação à Europa traria um complemento real ao transporte aéreo.

Ninguém fala em unificar as polícias gerando melhor eficácia, redução de custos e melhor remuneração aos seus agentes.

A Alemanha, com oitenta milhões de habitantes, tem uma só polícia para um grande país. Mas o “gigante” Portugal precisa de duas ou mais polícias.

A extinção do SEF sem se ter criado alternativa capaz é uma temeridade e um exemplo flagrante de incapacidade do Governo. O SEF pode e deve ser integrado na nova Polícia resultante da fusão das duas existentes. Este tema das polícias exige uma urgente ponderação antes que a situação se possa deteriorar, sendo já visíveis alguns sinais preocupantes.

Temos de assumir urgentemente que a solução aos problemas reais de que o país espera não passa unicamente pela mediatização dos temas e pelo anúncio de palpites e medidas desgarradas em pomposas conferências de empresas. Um plano não é um “chorrilho de disparates” que revelam apenas impreparação e incompetência. Faz-se o anúncio. 
E pronto, parece que ficou resolvido. Nada se faz e cai no esquecimento.

Veja-se o exemplo da Serra da Estrela.

Gigantesco incêndio. Combate insuficiente, quiçá grotesco, desastre clamoroso. Anúncio em coletivo de seis ministros da tomada de inúmeras “medidas” e a de promessa que a Serra vai ficar melhor do que antes. Decorridos 18 meses, nada de relevante aconteceu, nem se sabe se e quando vai acontecer. Nem o indispensável reflorestamento dá sinal de poder acontecer. Várias empresas, como a nossa, ofereceram-se para solidariamente com o seu pessoal plantarem árvores e nem resposta tiveram.

Na Torre o caos impera: trânsito em versão “bagunça”. Falta de instalações para acolher os visitantes e degradação total do Parque Natural. E era simples: autorizar apenas a circulação, a “navettes”, ficando os carros e autocarros em vários parques de estacionamento nas imediações.

A ligação de Manteigas às Penhas da Saúde esteve encerrada largos meses e agora recentemente reabriu, mas condicionada a uma faixa de rodagem alternada. É um prejuízo para quem investe no interior e depois vê inviabilizados os seus projetos por total inércia da administração central.

Mais grave ainda é o que se passa com a Habitação. Falta habitação social para a classe mais desfavorecida. Falta habitação para a classe média que não tem oferta adequada à sua capacidade financeira.

Desde há pelo menos dez anos que venho a alertar para este gravíssimo problema social que prejudica uma larga percentagem da população. Mas não estava na agenda mediática e, por isso, nem governo nem oposições se lembraram deste gravíssimo problema.

De repente, “aqui d’El Rei” e voltou a falar-se do tema e cria-se um dito “PLANO”, que esquece deliberadamente que na verdade nos últimos 15 anos poucas casas foram construídas.

A administração central e local pouco ou nada fez neste período, em vez de se procurar um conjunto alargado de soluções envolvendo todas as entidades com competência e interesse nesta matéria para conjugar esforços: Estado, câmara municipais, fundos de investimento imobiliário, promotores imobiliários, senhorios, etc.

Mas em vez de fugir ao problema criam-se culpados: senhorios em geral, vistos Gold, alojamento local 
e o mais que ocorra. Esquecendo que o principal culpado é o Estado que tudo quer controlar, mas esqueceu-se da habitação social, de regular uma política de valor adequada e criar incentivos aos privados para construírem a preços acessíveis habitações e incentivos ao crédito à habitação.

Podem copiar alguma coisa do muito que Duarte Pacheco fez nestas áreas:

  • Propriedade resolúvel;
  • Rendas limitadas;
  • Venda de casas a preços controlados;
  • Casas para jovens no centro das cidades;
  • Recuperar os centros históricos para lhes dar autenticidade e evitar que sejam meros locais turísticos descaracterizados, etc

Mas o fundamental é mesmo o básico: um plano de emergência para construir casas em vários segmentos para aumentar a oferta de habitação, que é um direito constitucional, com Estado, autarquias e privados a colaborarem nestes desígnios com incentivos fiscais e financeiros para o efeito.

É fomentar a criação de uma rede de ensino no interior para captar estudantes internacionais e centros de investigação científica. É desenvolver parques industriais e tecnológicos. É, de uma vez por todas, resolver o problema da água.

É agora que o Douro se está finalmente a desenvolver turisticamente reforçado de infraestruturas, como a estrada beira Rio Douro para ligar o Pinhão a Foz Coa e Barca d’ Alva.

É apostar seriamente numa política de desenvolvimento do interior que não se limite a integrar as campanhas eleitorais e tenha uma tradução prática e efetiva.

Tenho sido e continuo a ser otimista e a acreditar no futuro do país e, por isso, empenhado em fazer mais e melhor. Mas estamos a cair numa situação “pantanosa” como nunca vi, sobretudo, porque o horizonte político é sombrio, com atores secundários e projetar com falsas e “mirabolantes” promessas para atrair incentivos.

É preciso que todos nos envolvamos do desenvolvimento do país que continua a ter um potencial tremendo. Temos de nos mobilizar para acreditar em Portugal e apostar no seu desenvolvimento para melhorar a vida de todos.

Trabalhar mais e melhor é uma receita infalível.

Jorge Rebelo de Almeida é licenciado em Direito e foi advogado até 1986, ano em que co-fundou o Grupo Vila Galé, que tem atualmente 44 hotéis e de cujo Conselho de Administração é presidente. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.