Entre o fim do cavaquismo e o fim do guterrismo, com a enfâse no governo de Guterres, levantou-se uma classe política divorciada dos portugueses, concentrada em servir-se a si mesma e aos seus amigos e às suas clientelas. Neste período consolidaram-se as malfeitorias que frutificaram durante os tempos de Sócrates e culminaram com o país na bancarrota – sobre Durão Barroso e Santana Lopes que abriram a porta à vitória de Sócrates, facilitados pela decisão de Jorge Sampaio de autorizar a saída de Durão Barroso, nem vale a pena qualquer comentário. A verdade, aprove-se ou desaprove-se Passos Coelho, é que este foi o único a pôr um travão ao escândalo que se havia tornado exuberante desde os dias do cunhadíssimo. E se desenterro estas ossadas é só porque hoje colhemos as consequências da emergência deste Partido Socialista que se demitiu da sua vocação histórica, o partido ao lado de quem a direita social democrata, e a cristã, fez Portugal democrático. Se dúvidas houver, recorde-se Mário Soares, Sá Carneiro, o 25 de Abril de 1974, e o 25 de Novembro de 1975.

Concordando ou discordando da missão do Estado conforme os socialistas o concebiam, ou os sociais democratas, ou a Aliança Democrática, destes partidos do então arco da governação, surgia pensamento, mundivisão, debate entre gente com estatura política e uma ideia de, e para, Portugal. Hoje isso não acontece. E não me refiro, obviamente, a uma generalizada falta de integridade – há muita gente perfeitamente decente na classe política. Porém menor. Mesmo as boas medidas ficaram aquém não do desejado, mas do absolutamente necessário.

Somos um país dependente, ainda hoje, do turismo. Não temos uma ligação ferroviária capaz que nos ligue à Europa. Ou do Porto a Faro. Nem um aeroporto conseguimos fazer. Não temos indústria. Nem uma classe média forte, empreendedora. Nem qualquer apelo para tal: estamos sufocados entre a burocracia e a sobre-taxação. O SNS cai aos bocados e a educação está refém dos sindicatos. Somos pobres. Dos rendimentos que temos ao frio das nossas casas, fornos no Verão. Pobres.

A classe política tem uma hierarquia clara: em primeiro lugar está a partidarização do governo e da administração pública, mais o enraizamento dos seus arregimentados nos reguladores e parceiros privados; em segundo lugar, que na verdade é o fundo da lista, estão os portugueses. Neste momento estou convencida, e concedo que pode ser o meu natural pessimismo, que estaríamos em franca venuzuelização não fora estarmos na UE e a margem de manobra do governo ser, ainda assim, reduzida. Nem por isso deixamos de cair na qualidade da nossa democracia – a perda democrática é tal que estamos a olhar para Catarina Mendes, a solo. É precisa uma moção de censura para se conseguir levar o primeiro-ministro ao parlamento.

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A remodelação, feita na sequência da saída de Pedro Nuno Santos, baliza este PS de António Costa entre o «guincho e o estrume». É preciso que sejamos claros. Este já não é o PS de Mário Soares. Onde estão Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto? Este PS não é espelho onde se vejam, acredito. E não serão os únicos. Toda a ala moderada se extingue. Pior. O próximo PS também não será esse espelho. Esta remodelação fala, e em voz bem alta, do PS futuro tanto quanto fala das preocupações e ambições de António Costa. Explico-me.

A bom sucesso da geringonça demonstrou que parte significativa do Partido Socialista é tangente à extrema esquerda cuja agenda é, sempre foi, inequívoca. Demonstrou também que se distanciou do centro. O futuro do PS é à esquerda. António Costa sabe-o, por isso promoverá tantos Galambas quantos os necessários para manter o status quo, evitar a cisão do partido e a sua inevitável radicalização. Quando isso acontecer, não serão as «pernas dos banqueiros europeus que vão tremer», serão as nossas, num país sem convergência e em queda para o último lugar da UE – a bazuca é, na realidade, o fim da cartucheira.

Chegam-me agora mesmo as notícias de Carla Alves. É imparável a torrente de prendas socialistas… O futuro acaba de ficar um bocadinho mais perto.

A autora escreve segundo a antiga ortografia