Em Janeiro deste ano, o meu sobrinho mais velho, então com 14 anos, foi diagnosticado com um colesteatoma, já com invasão, no ouvido esquerdo. Foi consultado o especialista recomendado pelo otorrino e imediatamente o meu sobrinho foi proposto por este, devido à agressividade do tumor, para cirurgia «prioritária». No SNS.

E agora faço um parêntesis.

Os meus dois sobrinhos custam pouco ao Estado apesar de os seus pais pagarem ao Estado as prestações devidas e, digo eu, mesmo as indevidas que os sobretaxam como a todos os portugueses que pagam impostos, mesmo aqueles que durante a pandemia viram a vida virada pelo avesso por trabalharem por conta própria, sem apoio de rendas ou quaisquer prestações sociais, como reforço do clássico português socialista: toda a iniciativa privada será castigada. Os meus sobrinhos custam pouco ao Estado porque estão no ensino privado. Custam pouco ao Estado porque a pediatra de ambos está no privado. Porque as consultas de especialidade são feitas no privado. As poucas vezes que recorreram ao SNS prendem-se com especificidades de saúde de carácter urgente. O mais velho tem asma severa e alergias. O mais novo tem alergias severas sem asma – e uma história recente no SNS, com ambulâncias que não eram ambulâncias num transporte urgente para o Dona Estefânia, em Lisboa, onde chegou 16 horas depois do previsto para lhe ser receitado um Brufen e lhe ter sido dada alta ainda de veia canalizada… se não tivesse sido tão grave, contaria o resto.

Fim de parêntesis.

Como a cirurgia era «prioritária» em Janeiro ficou marcada para Junho. Dia 9 de Junho. Às 9 horas, no Hospital de Faro EPE.

O meu sobrinho é um miúdo. É só um miúdo. Pela primeira vez, em 14 anos de vida, tinha a audição completa desde Outubro do ano passado. Nunca antes tinha ouvido a máquina de lavar loiça. Surpreendeu-se com o barulho inesperado do autoclismo. Nunca tinha reparado que o chamavam dez vezes antes que respondesse. Nem sequer tinha ouvido a pronúncia correcta de muitas das palavras que usa. Como disse, repetidamente, depois do susto inicial: «Adoro ouvir tudo! Ouvia como ouço agora quando mergulho e fico debaixo de água.»

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Quando o meu sobrinho soube do colesteatoma, como é de poucas palavras, disse: «Só quero fazer a cirurgia para que isto acabe.» Mas eu, que sou adulta, sei que ele está triste. E assustado.

Enfim. Já com 15 anos feitos, é internado para pré-operatório dia 8 de Junho. Dia 9 de Junho, de manhã, é preparado para descer para o bloco e iniciar às 9 horas a referida cirurgia «prioritária», aquela que poderia preservar-lhe parte da audição e salvaguardar a invasão das meninges. Os dois otorrinolaringologistas e o anestesista estão presentes e disponíveis para fazer a cirurgia. Mas mais ninguém está disponível para além da equipa médica já que os serviços mínimos garantidos pela Greve da Administração Pública convocada pela Fesinap, de 7 a 9 de Junho, não asseguram o serviço de enfermagem naquele bloco operatório, afinal, trata-se de uma «cirurgia agendada», não de uma «cirurgia de urgência».

Não, este texto não é contra o direito à greve. Nem para disputar se os serviços mínimos foram ou não assegurados.

Se dúvidas houver: este texto é para reforçar a degradação das instituições com o patrocínio socialista. Principalmente aquelas que deveriam ser a nossa salvaguarda e o corrector das desigualdades sociais, a Saúde e a Educação, garantes ambas do futuro.

Este governo, serviço menos que mínimo, desistiu de nós.

A cirurgia «prioritária» do meu sobrinho continua por agendar.