Agora que as características das pessoas de bem estão balizadas pelas mãos da moderadíssima extrema direita, urge decompor o conceito de vilão de excelência.
Surge um desconforto latente quando se está perante um vilão de circunstância, cujos actos são previsíveis, pouco originais e fáceis de decifrar. Ora, este desconforto dever-se-á bem mais à condescendência do vilão, que considera que o vilanizado é susceptível a truques indolentes e a jogos pueris, do que ao acto vil.
Neste exercício deixemos, pela elegância, a vilania de origem patológica de parte já que, nestes casos, o malfeitor não é necessariamente imputável pelos seus actos, e também por não causar o mesmo sentimento de desconforto moral que aquele infligido pela condescendência cognitiva do vilão amador. O vilão de excelência é arguto e terá até características de verdadeiro estadista. Nas suas acções vis, o seu objecto não se sente subjugado. Antes, como definiu Zaratustra pelas mãos de Nietzsche, se vê até impelido pela sua vontade a cooperar e zelar pelos interesses do vilão como se dos seus próprios se tratassem.
Diz quem sabe da poda que existirá uma correlação negativa entre a vilania e o pensamento crítico, estruturado e informado. Sócrates estabelecia o conhecimento como o único representante completo do bem e contrapunha a ignorância como corpo do mal.
No discurso Knowledge its Own End, John Henry Newman convidou-nos a pensar a Universidade como instituição de referência para os estudantes, mas também para os estudos que faculta. De modo tácito, tendemos a aceitar o conhecimento científico como objecto fundamental mas também como entidade geradora de Alma, orientando-se sob esta égide.
Assim, os estudos, tal como os estudantes, usufruem de um estatuto duplo de nu-proprietários e de substratos da Universidade. Esta seria, de acordo com Newman, a ideia primordial de Universidade: uma instituição livre, pluralista, equitativa, ponderada e sapiente, tendo o avanço científico como pedra basilar. Quanto ao conhecimento científico, este é retratado como uma molécula complexa e coesa, de ligações atómicas desenhadas pelas mãos plurais de um Criador. Apesar do catolicismo pairar sobre os pensamentos de Newman, este nunca é suficiente para os assombrar. Aliás, de forma coerente com a tendência actual, Newman acaba por confirmar a crescente obsolescência da inclusão do retalho teológico no manto científico. Ao admitir que os vários núcleos de conhecimento se agregam num equilíbrio harmonioso, corrigindo-se e completando-se, Newman acaba por descrever a cinética própria da natureza que não necessita de intervenção externa para se perpetuar, bastando-lhe pouco (ou nada) mais do que a termodinâmica fundamental. Apoiando-se em Cícero, indica-nos que o conhecimento adquirido e transmitido, tendo nas Universidades o seu berço, deve ser um fim em si mesmo.
É que as Universidades têm sido geridas mediante um imperativo hipotético de produtividade, simultaneamente obedecendo a um sistema competitivo cujas regras são estabelecidas por métricas no mínimo dúbias, premiando o poder estabelecido, os docentes que enriquecem o currículo graças ao trabalho precário dos investigadores que, no melhor dos casos, estão contratados a termo incerto. Também neste ponto, Newman se demonstrou indisponível para compactuar com a adaptação do princípio da divisão do trabalho às Universidades, recusando que estas sejam reféns das métricas de eficiência e rapidez, como se de um sistema industrial se tratasse. É que a qualidade científica gerada tem sido quantificada pelo número de artigos científicos publicados, pelo número de patentes submetidas, pelo número de projectos aprovados, pelo número, pelo número, pelo número. Esta vilania é relativamente fácil de desmascarar e, por isso mesmo, é uma vilania ignóbil, preguiçosa, condescendente, ou seja, de muito má qualidade. Tanto que, em março de 2024, a Universidade de Zurique comunicou que iria abandonar o sistema de ranking publicado pela Times Higher Education magazine (detida pela Inflexion Private Equity), por não concordar com o sistema de classificação que contabiliza o número de publicações em número absoluto ao invés de tomar em consideração o seu impacto e qualidade científica.
A moribundez da credibilidade académica é um acto suicida programado, uma apoptose. Não há Universidade que não se vanglorie das íntimas ligações ao tecido empresarial, apresentando-se subjugada aos interesses privados, criando-lhes conhecimento barato ou gratuito e formando-lhes os futuros trabalhadores. Os alunos usam as Universidades como mera formalidade, recusando-se (com razão) a compactuar com a sonsa virtude académica e científica. A Universidade, vilã por necessidade, perdeu o norte porque se quis esquecer dos seus objectos fundamentais: o aluno e o conhecimento.