As sondagens continuam a mostrar o PS ao lado do PSD. Independentemente dos méritos (?) do actual PSD, numa sociedade normal o PS estaria ao lado do Livre e do PAN, a batalhar com empenho pela fasquia (sempre quis escrever “fasquia”) dos 1,5%. Em sociedades normais, sete anos de desnorte, incompetência, arrogância, prepotência, nepotismo, trafulhices e miséria costumam ter consequências aborrecidas para as agremiações responsáveis. Em Portugal, nem tanto.

Em Portugal, há imensa gente a desejar a continuação do governo socialista. Os que são marxistas por convicção e que, apesar das três mil setecentas e doze medonhas experiências anteriores, acreditam mesmo que essa é a única via para a felicidade dos homens (e das senhoras). Os que fazem carreira no PS. Os que aspiram a fazer carreira no PS. Os que lucram com a presença do PS no poder. Os que aspiram a lucrar com a presença do PS no poder. Os que empobrecem com a presença do PS no poder mas engolem a propaganda oficial e julgam estar benzinho. Os que, devido à presença do PS no poder, vivem na penúria absoluta mas padecem de perturbações cognitivas que os impedem de reparar nos aspectos subtis da realidade, como o preço do arroz e dos combustíveis, as negociatas omnipresentes e o riso escarninho do dr. Costa.

Há outro conjunto de pessoas interessadas na continuação do governo socialista. Não são pessoas que votam PS. Também não são pessoas que gostam do PS. Na verdade, são pessoas que acham trágica a governação do PS e que, apesar disso ou graças a isso, querem que a tragédia prossiga até às últimas instâncias. O argumento é o de que é necessário que o PS, conforme lhe compete, rebente com isto tudo de modo a que se perceba claramente que foi o PS a rebentar com isto tudo. Ou seja, permite-se que o PS complete a tarefa de desgraçar os portugueses e, na ausência de bodes expiatórios plausíveis ou implausíveis, os portugueses irão finalmente culpar o PS pela desgraça e agir em conformidade, privando a quadrilha de frequentar a sociedade civilizada e as disputas eleitorais.

É uma tese curiosa. De repente, lembra a “vacina” de Henry Kissinger, que em 1975 nos achava perdidos para o comunismo e pretendia exibir-nos a título dissuasor ao resto da Europa. No caso em apreço, os destinatários da dissuasão somos nós próprios. É um plano matreiro. Infelizmente, conta com um ou dois obstáculos.

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O primeiro é a estratégia implicar um salto de fé, para usar expressão cara a um filósofo dinamarquês. Salvo no curto prazo, o PS nunca pagou politicamente – ou judicialmente, já agora – pelas três bancarrotas que provocou durante o regime. Nada garante que pague pela quarta, por devastadora que esta venha a ser. Dito de maneira diferente: não é certo, longe disso, que perante uma catástrofe evidentemente suscitada pelo PS os nossos concidadãos desatem a concluir sem hesitações que a catástrofe se deve ao PS. O bom povo não é bom a interpretar evidências. Nem a estabelecer nexos de causalidade. Nem a admitir o erro de eleger sucessivamente o PS.

O segundo obstáculo é o tempo, que na situação vigente é um luxo a que não nos podemos dar. Além de uma crueldade escusada, prolongar a agonia das pessoas apenas para tentar demonstrar que o PS, espanto dos espantos, governa contra elas é, no mínimo, um acto leviano e susceptível de danos irreversíveis. Os danos já causados são suficientes e suficientemente complicados de reverter. Quando um sujeito recebe recorrentes mocadas na cabeça, não é preciso esperar que o crânio se estilhace em pedacinhos a fim de provar que o exercício faz mal. É melhor parar enquanto há crânio. É melhor parar enquanto há país. Não importa o método (há vários), e não importa se há alternativa impecável (não há): importa compreender que, assim, isto não aguentará muito mais.

Para cúmulo, a demolição e o saque levados a cabo pelo PS têm vindo a intensificar-se desde que se livrou dos partidos assumidamente leninistas e adquiriu maioria absoluta. Em parte por fervor ideológico, em parte para monopolizar a esquerda, o leninismo vive confortavelmente na corte do dr. Costa, a qual, só a título de exemplo, nos últimos dias anunciou o ataque à propriedade privada e a veneração de Lula em “Abril”. Depois das casas e do célebre condenado brasileiro, nada impede que em breve se passe a confiscar carros ou camisas e a homenagear Putin ou Maduro. Nada impede – a menos que alguma coisa, quiçá um milagre, impeça o PS de prosseguir e aprimorar a loucura em curso.

É uma loucura que a História não ensina: há quase meio século, o PS de então fez por assegurar que Portugal não cairia no abismo comunista e desmentiu Kissinger. Hoje o PS faz por dar-lhe razão. Convinha não lhe fazer a vontade.