Nasci em Portugal.

No meu País, nos tempos modernos, nunca caíram bombas, não existiram guerras.

Quando eu nasci, ainda havia uma ditadura no meu País e guerra lá fora. Colonial, chamaram-lhe, e nessa guerra morriam pessoas da minha da terra, da minha família também morreram.

Mas pouco depois de eu nascer, houve um golpe militar e o povo saiu à rua e isso foi uma revolução, feita quase sem tiros e com muitos cravos.

A revolução podia ter evoluído por caminhos que nos levariam a outro tipo de ditadura, mas não aconteceu, muitos lutaram e o povo não deixou e o meu País é uma democracia.

Com muitos defeitos, sim. Mas uma democracia que dá a todos a liberdade de dizerem o que são e de manifestarem a sua opinião, ainda que seja a opinião mais tola que há.

O meu País é tolerante. Tolera coisas muito tolas e gente muito tola. Por vezes, chego quase a pensar que é tolerante demais. Que as pessoas do meu País toleram em excesso todas as maldades que lhes fazem. Mas, contas feitas, o meu País é um bom País.

No meu País, não caem bombas, as casas e cidades, nos tempos modernos, nunca foram destruídas pela guerra, as pessoas do meu país nunca morreram apenas e só por estarem a defender o que é seu e o seu País de um invasor externo.

A última vez que o meu País foi invadido, pilhado e destruído já foi há muito tempo. Acabou em Abril de 1811, data em que terminou a terceira e última invasão francesa ao meu País.

Abril, também aqui.

Já foi há muito tempo. Há 211 anos. Ninguém se lembra, ninguém testemunhou. Só os livros, os livros guardam tudo, lembram tudo, podemos viver tudo de novo através deles.

Nunca tive de me proteger das bombas em abrigos subterrâneos. Nunca tive de mandar a minha família fugir para outro País, para garantir que continuam vivos. Nunca tive de fugir das balas na rua. Nunca tive medo do som dos aviões que passam, ou dos trovões que soam a explosões.

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Nunca tive de matar um invasor.

Eu sei lá o que é a guerra.

Ver na televisão é quase nada.

Nós não sabemos.

Ver que, neste País, ainda há quem tente, sequer, explicar qual o sentido de alguém ir para algum lado aterrorizar, destruir, matar, é algo que não consigo compreender. E apesar de já ter dito que o meu País é, em geral, muito tolerante, tenho cada vez menos tolerância para com estes imbecis. Imbecis.

Há um fulano, secundado por uma oligarquia, que invade, aterroriza, destrói e mata. Que dispara misseis contra casas nas cidades do país vizinho, mesmo quando essas cidades estão a ser visitadas pelo representante máximo – goste-se, ou não, é o que é, o representante máximo – das Nações Unidas. Como que a gozar e a ameaçar as Nações Unidas. As Nações Unidas.

Eu sou das Nações Unidas. Sou pelas Nações Unidas. Nós somos as Nações Unidas.

Unidas pela paz. Unidas pelos direitos universais do homem. Unidas pela defesa da vida das crianças. Unidas pela defesa da partilha pacífica dum planeta que é de todos.

Mas há um homem, secundado por uma oligarquia, por um regime, que fala inclusivamente da possibilidade de utilizar armas nucleares. Da eventualidade de o fazer. Da hipótese de destruir o mundo.

É uma ameaça. Uma chantagem ao mundo. A todo o mundo. A todos nós.

Há quem tolere isto.

Eu não. Não tolero isto. Nem quem tenta explicar.

Não há explicação.