O primeiro ministro francês não se conteve: “Já não é um alerta, é mesmo o terramoto”. É mesmo? A Frente Nacional ganhou as eleições para o parlamento europeu em França e o Partido para a Independência do Reino Unido (UKIP) venceu em Inglaterra. Como entender isto?

O estigma “populista” serve, em geral, para reduzir esses partidos a uma espécie de mau hábito da arraia-miúda mais ignara. Partilho, sem complexos, a repugnância pelas ideias da Frente Nacional ou do UKIP. Mas nem sempre se faz boa análise com bons sentimentos.

Quando não lhes chamamos “populistas”, a convenção é chamar-lhes “eurocépticos”. Ora, vale a pena referir um paradoxo deste eurocepticismo: o UKIP nunca elegeu um deputado ao parlamento inglês, e a Frente Nacional tem apenas dois deputados na assembleia nacional francesa. Apesar do seu nacionalismo, ambos esses partidos dependem das instituições da União Europeia para uma representação que os sistemas eleitorais nacionais, devidamente blindados, lhes negam dentro dos seus países. Vivem da Europa, que não só lhes dá razão de ser, enquanto “eurocépticos”, mas também uma expressão que lhes falta nos parlamentos nacionais.

As indignações agora em saldo escondem muita coisa. Escondem, por exemplo, a coerência simples e implacável destes movimentos, que, por contraste, fazem as forças políticas estabelecidas passar por inconsistentes e complicadas. A esquerda impugna a circulação livre de capitais, mas defende a de pessoas. Os nacionalistas são contra as duas coisas: contra o capital internacional e contra a imigração, que aliás relacionam (segundo eles, é ao capital que interessa importar mão de obra barata). A direita protege a identidade nacional, mas quer fazer crescer a economia abrindo-a ao exterior. Os nacionalistas argumentam que só o proteccionismo faz sentido de um ponto de vista nacional. Não devíamos subestimar o impacto destas aparentes “coerências”.

Em França, o regime organizou-se eleitoralmente para excluir Marine Le Pen sem contemplações: com 13,6% dos votos em 2012, a Frente Nacional conta apenas com 2 deputados na assembleia nacional; a Frente de Esquerda, com 6,9%, tem 10. A chamada “extrema-esquerda” não mete medo. Ocupa as universidades, é editada pelas grandes editoras, escreve na imprensa de referência. Votar na extrema-esquerda é, frequentemente, votar num professor catedrático. A direita nacionalista, pelo contrário, é tratada como os intocáveis na velha Índia e está fora de tudo. Mas sem posições institucionais, também não está, por isso mesmo, condicionada pelas boas maneiras do regime. Apesar do seu ar de chapeleiro louco, o líder do Ukip Nigel Farage não tem dificuldade em parecer mais genuíno do que os políticos de aviário do regime, sempre aflitos para dizer coisas certinhas. Não é assim misterioso que se tivesse tornado o principal depositário do tédio (mais até do que do descontentamento) que o sistema inspira a muita gente.

No caso inglês, é a primeira vez desde 1910 que uma eleição não é ganha pelos Conservadores ou pelos Trabalhistas. Estamos, no entanto, a falar do parlamento europeu, o que quer dizer que tudo é ainda mais ou menos simbólico. Uma parte da explicação dos sucessos do UKIP ou da Frente Nacional pode, aliás, estar aí. Conseguirão entrar nas contas parlamentares nacionais, de que depende a governação? E com que efeito? Apenas para ajudar as esquerdas, ao dividir o voto das direitas, como insinuam os conservadores ingleses? Para impor alianças aos partidos estabelecidos? Ou, pelo contrário, para levar à união de toda a classe política, da direita à esquerda, num “bloco europeísta” que os mantenha fora do governo, como as alianças protagonizadas pela democracia cristã em Itália fizeram ao Partido Comunista durante a Guerra Fria? Esperemos por eleições nacionais. É por aí que, apesar de tudo, ainda passa o destino da Europa.

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