Nas últimas décadas, com um enorme investimento do Estado e das famílias, Portugal alcançou um progresso extraordinário na escolarização da sua população. O ponto de partida era muito baixo. No início da década de 1970, tínhamos pelo menos um século de atraso em relação aos países mais desenvolvidos. A maioria dos portugueses nascia presa à miséria e a emigração era a única forma de lhe escapar. Hoje discutimos as avarias do elevador social. Naquela altura o elevador nem sequer existia.
Em 2021, 31% da população entre os 25 e os 64 anos tinha um curso superior, uma percentagem muito próxima da registada na União Europeia (33%). Na população entre os 25 e os 34 anos, a percentagem de licenciados era de 48%, ultrapassando os 41% da UE (Pordata).
Este aumento extraordinário da escolaridade está associado às maiores transformações da sociedade portuguesa nas últimas décadas. E continua também a ser a maior esperança de muitos portugueses. A esperança de vivermos numa sociedade com cidadãos mais informados, mais exigentes, mais criativos, mais resilientes, e com maior capacidade de criação de riqueza. O relatório do Estado da Nação de 2022 da Fundação José Neves confirma que níveis de educação mais elevados estão associados à melhoria da qualidade de vida dos cidadãos em muitas dimensões, incluindo a melhoria de rendimentos. Quem tem mais anos de escolaridade tem rendimentos mais elevados.
Num artigo em co-autoria com colegas das Universidades do Minho e de Coimbra, concluímos também que os sectores que contrataram trabalhadores mais qualificados tiveram um melhor desempenho em termos de produtividade.
No entanto, nas últimas duas décadas, para a economia como um todo, mais educação não resultou em ganhos significativos de produtividade e em mais crescimento económico (ver Figura). Entre 2000 e 2021, a produtividade cresceu apenas 7% e o PIB 10%. No século XXI, a produtividade e o crescimento económico praticamente estagnaram.
Este é o grande paradoxo da economia portuguesa, que a figura bem ilustra. Uma população com níveis de educação cada vez mais elevados não consegue criar mais riqueza.
O que explica que o trabalhador médio tenha aumentado substancialmente a sua educação e que o valor daquilo que produz seja praticamente o mesmo nas duas últimas décadas?
Uma explicação possível é o nível mais elevado de educação não corresponder a mais competências ou às competências que o mercado mais valoriza. Embora existam falhas na educação, sabemos que muitos diplomados das áreas das ciências, tecnologias, economia ou gestão são muito procurados e têm facilidade em encontrar emprego em Portugal ou no estrangeiro. A deslocação de muitos centros de desenvolvimento de multinacionais para Portugal atesta as competências dos diplomados portugueses. A facilidade com que muitos diplomados encontram boas oportunidades no estrangeiro é também um indicador da qualidade da formação que receberam.
Assumindo que os níveis mais elevados de educação estão associados a mais competências, é nas características do tecido económico que devemos procurar as razões para mais educação não resultar em mais produtividade e mais crescimento.
Uma parte do problema está nas baixas qualificações dos gestores. No tecido económico português predominam empresas em que os gestores, e trabalhadores, têm baixos níveis de escolaridade. O relatório da FJN mostra que é difícil transformar o talento dos diplomados em valor económico quando são integrados em organizações pouco qualificadas e produtivas.
Aqui se encontra a resposta à questão que os portugueses tantas vezes se colocam: por que razão um trabalhador português é muito mais produtivo no estrangeiro do que em Portugal?
De facto, um diplomado com as mesmas características, integrado numa organização mais complexa, consegue ser muito mais produtivo. São ainda poucos os que conseguem encontrar essa oportunidade em Portugal. E é essa a razão para tantos jovens diplomados continuarem a emigrar. Sabem que noutros países europeus o seu talento poderá ser melhor aproveitado e remunerado com melhores salários.
A única forma de atrair e fixar trabalhadores qualificados será aumentando os salários. O aumento dos salários requer o aumento da produtividade. Mas isso não se alcança com boas intenções, como parece acreditar o primeiro-ministro António Costa.
Aqui chegamos à outra parte do problema: o contexto económico em que as empresas portuguesas têm de desenvolver a sua atividade. Um ambiente económico pouco favorável ao nascimento e ao crescimento de empresas inovadoras. O paradoxo da economia portuguesa, em que mais educação não se traduz em mais produtividade e crescimento económico, só será resolvido quando se afirmar um novo paradigma, assente no conhecimento, na inovação e no trabalho qualificado.
Para que esse paradigma desponte, sabemos que são fundamentais uma série de condições. Um sistema científico e tecnológico de primeira água. Boas infraestruturas e ligações aos mercados internacionais. Uma administração pública eficiente. Um mercado de capitais eficiente a identificar as melhores ideias de negócio. Um mercado de trabalho flexível. Condições de concorrência que impeçam as empresas mais antigas e com mais poder de mercado de limitar o desenvolvimento de novos negócios.
É nas mudanças necessárias para aquelas condições se verificarem que o primeiro-ministro tem de se concentrar se ambiciona, de facto, um aumento dos salários (reais!) de 20% até ao final da legislatura.