O ser humano é, sem dúvida, criativo.

Desde a ideia da pedra de corte, cruzando a invenção do astrolábio, até aos mais recentes desenvolvimentos no âmbito da biologia e da computação, o Homem tem contado com inovações fascinantes, essenciais à sua sobrevivência e ao progresso das civilizações que vem construindo.

Ao lado desta criatividade, está, muitas vezes, um receio associado à mudança. São os velhos do restelo, à portuguesa, ou os teóricos do medo, por esse mundo fora – muitas vezes, astutos no uso dessa arma em benefício próprio.

Assistimos, em Portugal, aos vislumbres da quarta revolução industrial e já estamos a interiorizar que, a tecnologia de livro razão distribuído (blockchain), veio para ficar. Todas as profissões serão afetadas – positiva ou negativamente – dependendo das lideranças e da coragem que cada empresa ou organização demonstrem.

Começamos a obter as primeiras considerações jurídicas em redor dos Smart Contracts – que usam este tipo de tecnologia – e já aceitamos que a quarta revolução industrial pode ser, mesmo, uma grande oportunidade para todos. Mas que tipo de tecnologia é essa? Perguntam alguns. E que impactos irá provocar? Questionam os mais corajosos.

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Em primeiro lugar, a tecnologia de livro razão distribuído, é uma tecnologia que recorre ao uso extensivo de criptografia para guardar, proteger e validar transações, registando-as numa base de dados eletrónica, cuja manutenção cabe a uma rede distribuída, ou partilhada, de participantes, chamados nodos. Tão simples como parece.

E aqui reside todo o fascínio e potencial deste tipo de tecnologia. Por ter a capacidade de recorrer a um sistema descentralizado, guarda e confirma a validade da informação a custos muito reduzidos, com enorme segurança e imutabilidade da informação. Aposta-se que os mercados financeiros serão os primeiros a usar este tipo de tecnologia em grande escala.

Em segundo lugar, um Smart Contract, é a vontade de duas, ou mais partes, concretizadas numa declaração negocial, cujas condições são executadas através de um código de computador, recorrendo a criptografia. Também não é nada de extraordinário.

Imaginemos dois amigos, à conversa, à volta de um café, acabadinho de tirar numa daquelas máquinas que encontramos em espaços públicos ou espaços privados partilhados. Esse café servido por uma máquina de «vending» é uma realidade muito aproximada a um Smart Contract. O café só galga para o copo depois de colocarmos a moeda. Logo, se essa condição de pagamento for concretizada.

Portanto, sem pânicos associados, um Smart Contract está perfeitamente enquadrado no nosso sistema jurídico, uma vez que, dentro dos limites da liberdade contratual, nada obsta a que a vontade preestabelecida pelas partes seja representada num código informático autoexecutável – aliás, isto já acontece em algumas negociações financeiras. O problema jurídico – de resolução criativa e inovadora – está mais a montante; no seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico.

Portanto, está na hora de fazer as perguntas certas e instar os Portugueses para a necessidade de construção de uma estratégia nacional para as tecnologias de livro razão distribuído – ou blockchain – por forma a retirarmos todas as potencialidades económicas e sociais que se vislumbram.

Não tenho qualquer dúvida em afirmar que as economias mais dinâmicas das próximas décadas serão aquelas que melhor uso farão deste tipo de tecnologia. Não se trata de algo disruptivo. Estamos a falar de algo que estabelece as fundações de uma nova ordem tecnológica, económica, regulatória e social.

O governo, as universidades, as empresas e todos os cidadãos têm a sua quota-parte de esforços para repartir nesta tarefa.

Claro que, todos nós, temos medo. Já o dizia Sartre.

Mas isso nada tem que ver com coragem.